Agosto III

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Nós teríamos quatro jogos, em quatro cidades diferentes. O primeiro, naquele sábado de manhã, já dava um bom vislumbre do que estava por vir: nós chegamos ao campo com duas horas de antecedência, para "reconhecer o gramado"...

Só que o campo não era bem um campo: era um terreno baldio com quatro traves fincadas nos dois extremos, e uma arquibancada de madeira encharcada e carcomida de cupim.

Sério.

Não tinha vestiário, então nós nos amontoamos no banquinho de madeira corrida em um dos lados do terreno. Não cabia todo mundo sentado; jogamos as tralhas no chão e ficamos lá, parados, por uns vinte minutos até a situação descer pela goela.

– 'Cê tá de brincadeira com a gente, né? – Carlos resmungou pro Nasser, que fingiu não escutá-lo xingar depois.

Fizemos um aquecimento e ficamos tocando bola até o outro time chegar. A gente não conhecia os garotos, era o primeiro ano deles no intercolegial, então teve toda aquele lance de apresentação e tal. Nosso capitão, porém, continuou resmungando o tempo todo e logo tratou de dar uns apelidos nada elegantes para todos os do time adversário. Caipiras, da roça, pé vermelho, bicho do mato... e por aí vai. Esses eram os mais recatados, aliás.

A arquibancada foi sendo preenchida basicamente pelo pessoal do colégio. Eram só três turmas, uma de cada ano do ensino médio, e desconfio que a maioria tava ali porque era obrigatório, viu? Ninguém prestou muita atenção ao jogo – só um grupo de meninas se aglomerou perto do gol do time da casa e ficou torcendo, com direito a gritinhos, cantoria e incentivo pro goleiro.

O cara virava pra elas e elas se derretiam, praticamente. Não tinha nada de mais no moleque, devia ser porque era loiro de olhos claros, mas de resto? Sinceramente, até o Carlos era mais razoável que ele – e, Deus, eu juro que pensei isso na hora, mas quase vomitei por isso ter passado rapidamente pela minha mente.

– Puta merda, gente, vamos fazer essas meninas engolir a cantoria! Esse cara não vale nem um piscar de olhos das gatinhas! – Gustavo comentou durante o intervalo entre os tempos, recebendo apoio de todo mundo.

A verdade derradeira era que a gente tava tão anestesiado pela situação, eu acho, que não fizemos gol algum. Nem tomamos, também, o que já era alguma coisa. Certo?

– 'Cê viu que tem umas ajeitadinhas no grupinho? – Rafael comentou.

– Vai humilhar, né? – Gabriel riu e eles trocaram um olhar cúmplice.

Não entendi de imediato o que aquilo significava, mas o segundo tempo nem bem começou e os gêmeos fizeram umas jogadas com o JV que acabaram com a defesa do outro time. Não sei de onde elas surgiram, porque eles não tinham treinado assim na nossa escola... Mas, bem, resultado: três gols em menos de dez minutos. Eu fiz o quarto, uns cinco minutos depois, com uma bola passada pelo Carlos.

Todo mundo tava fazendo umas comemorações meio exageradas: o João pulou no Daniel e mandou beijo pra plateia. Os gêmeos tiraram as camisas e fizeram umas poses engraçadas; e no segundo do JV, ele apontou pra uma menina qualquer no grupinho perto do gol e fez um coração com as mãos, dando umas piscadelas. As amigas ao redor soltaram gritinhos de excitação enquanto o resto do time todo gargalhava.

Aí eu entendi o que era o "humilhar": não tinha efeito pior que atacar os adversários pelas meninas. Os caras ficaram completamente desnorteados, principalmente o goleiro. Ele perdeu o apoio rapidinho e tava na cara que era isso que mantinha a pose dele de pé. Sem o suporte, ele não fazia nem esforço pra segurar as nossas bolas.

O jogo acabou em 8x0 porque a gente quis.

Nasser suspirou quando o time voltou pro banco rindo, suado e se gabando. Eu me mantinha mais afastado, mas o JV me puxava pro centro da roda e eu acabava entrando na brincadeira, rindo de umas piadas que não tinham graça alguma. Na hora às vezes a gente nem percebe, né? Depois fiquei me xingando mentalmente por ter falado tanta asneira dentro daquele campo...

Aprendendo a Gostar de Mim {Aprendendo II}Onde as histórias ganham vida. Descobre agora