Agosto II

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Percebi que a viagem seria estranha mesmo antes de desembarcarmos no primeiro hotel. Ainda no ônibus, rolou uma listinha no grupo do WhatsApp de todos os lugares badalados que a gente poderia visitar durante nossa estadia nas cidadezinhas. Não tinha muita coisa, verdade, mas o pessoal já havia feito uma pesquisa e tanto: valor de entrada, consumação, valor dos drinks, se conferiam ou não a identidade e, principalmente, que horas o Nasser ia dormir.

Tava rolando até um boato de que tinha comprimidos pra insônia disponíveis, caso o professor não cumprisse seu cronograma.

Sabe que isso chegou a me assustar um pouco? Tipo, não me lembrava de ter sido tão assim da última vez. Mas também deve ser pelo fato de sermos bem mais novos antes, né? Aos 13 ou 14 a gente não pensava muito em ir pra balada, só de vez em quando. O futebol ainda ocupava o topo das nossas prioridades; agora, pelo jeito, as posições tinham se revertido.

– Cê vai sair com a gente, gringo! – o Rafael se empoleirou na cadeira da frente e debruçou pra cuspir na gente, animado do jeito que tava, depois de termos parado para almoçar num restaurante beira de estrada. – Aí sim vai conhecer o que é o espírito brasileiro!

– Em cidade do interior... – murmurei, cético. – Sério mesmo?

– Ei, sem estragar a festa, Renan! Vai ter muita bebida e mulher pelo menos; isso tem em todo lugar!

– Só não dá pra garantir que é mulher bonita, né. – Gabriel se intrometeu, dando uma risadinha irônica. O irmão gêmeo seguiu a deixa.

– Mas ele nem é exigente, né, Sander?

E saíram gargalhando, satisfeitos. Eu revirei os olhos e o Daniel, sentado na poltrona do outro lado do corredor, suspirou audivelmente. Sander permaneceu quieto ao meu lado, sem dar um pio. Inclusive ele não disse nada até descermos no hotel, na tardinha daquela sexta-feira, quando o Nasser nos instruiu a levar as coisas pro quarto, descansar, e depois descer para jantar.

O hotel tava mais para uma pousada; só tinha três andares e ficamos todos no último. Não tinha elevador, os cômodo eram bem apertadinhos, com uma beliche e uma cama de solteiro separada. Daniel colocou a malinha de mão dele sobre o colchão da beliche de cima assim que entrou, e falei pro Sander ficar com a cama separada. Ele não questionou, só se deixou cair sobre ela, parecendo cansado.

Enquanto eu tirava nossas chuteiras para tomar um ar, o intercambista me puxou pela blusa e ronronou:

– Deita aqui um pouquinho...

Claro que larguei tudo o que tava fazendo e fui me aconchegar na cama com ele. Daniel não comentou nada ao nos ver abraçados, mas sorriu de lado, cúmplice.

O jantar foi servido às 19h em ponto. Acho que éramos os únicos hóspedes, porque no salão a algazarra do pessoal preenchia todo o espaço, mas nem o Nasser reclamou do barulho. Nas escadas, os caras desciam e subiam correndo, pulando os degraus, dando socos e chutes uns nos outros, sabe? E ninguém se queixou – ou pelo menos não ficamos sabendo, né.

O recado que o Nasser deu enquanto comíamos, porém, fervilhou ainda mais os ânimos da galera:

– Jantar e cama, direto e sem escalas, entendido? – ele foi curto e grosso.

Os garfos até pararam de se mexer nessa hora.

– Poxa, 'fessor, mas ainda tá cedo! Dá pra gente dar uma voltinha na cidade, conhecer a região... – o Felipe reclamou, apoiado por mais da metade da turma.

– Não dá nada. – Nasser cortou na hora. – Se não percebeu, estamos um pouco afastados de tudo. E não quero ninguém se perdendo por aí. O jogo é amanhã às nove; nada de atrasos nem de dormir tarde pra ficar caindo no campo.

Aprendendo a Gostar de Mim {Aprendendo II}حيث تعيش القصص. اكتشف الآن