5.Ceticismo Parte IV

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Saíram apressados do beco e caminharam em direção ao conjunto habitacional onde Miguel morava, no caminho trocaram algumas palavras sobre a vida de Aghi. O garoto disse que estava naquela cidade há poucos dias, os meninos de rua da região o ajudaram a achar um local seguro para dormir e um cobertor velho para se cobrir a noite. Miguel, que no começo achara o garoto frágil, começou a pensar que se tivesse a idade de Aghi não teria coragem de fugir para outra cidade, e caso tentasse, não saberia se virar sozinho. Não sobreviveria nem um dia morando na rua.

Chegaram na portaria do prédio, subiram as escadas do edifício de quatro andares —, ele morava no terceiro andar, mais exatamente no apartamento 304. O garoto olhava atentamente as paredes descascadas e as manchas de umidade. Miguel como todos aqueles moradores sabia do estado abandonado do prédio, mas a inércia impedia o síndico e os habitantes de tomar qualquer atitude que envolvesse um leve acréscimo ao condomínio.

Antes de abrir a porta ouviu-se um grito familiar que os assustou. Miguel identificou no exato momento a voz de seu Avô, urrando com raiva em outra de suas crises súbitas:

— Bosta de vida! — Exclamou Sr. Arcanjo — Joana, Joana!

Joana era o nome de sua filha, Mãe de Miguel e Sofia, aquela que o velho Sr. Arcanjo chamava durante suas crises num súbito momento de ira e saudade. Ao ouvir o nome de sua mãe Miguel destrancou a porta rapidamente.

— Calma, vô! A mamãe se foi, o senhor sabe disso! — Disse Miguel enquanto tentava encontrar uma forma de aproximar-se sem ser atingido pelos objetos que o avô jogava por todos os cantos.

— Ela também me abandonou, não foi? Também me abandonou! — O velho gritava em tom de choro.

— Ninguém te abandonou, eu tô aqui e a Sofia também. Você vai assustá-la. —Advertiu o neto.

E um momento depois, Miguel percebeu que Aghi estava na frente do Sr. Arcanjo, parado diante do senhor furioso com abajur na mão pronto para atacar qualquer um. Naquele momento de insanidade seu avô não fazia distinção entre crianças e adultos, eram todos inimigos.

Miguel só conseguia pensar que o garoto era louco, provavelmente seu avô o acertaria, bem no meio da cara, com um abajur feito de porcelana e estilhaçaria seu rosto sem piedade. A única chance de salvar o garoto seria saltar em cima do velho e tomar o objeto de sua mão. O que ele sabia que não seria nada fácil, Sr. Arcanjo era velho, mas aqueles braços ainda possuíam algumas lembranças de um conjunto de músculos definidos, fruto de anos de intenso trabalho braçal.

— Não! — Gritou o garoto, olhando firmemente para o senhor que urrava na sua frente.

Subitamente o avô de Miguel parou. Seu olhar que antes era bestial tornou-se doce e um pouco assustado. Seu corpo que movia-se freneticamente em movimentos violentos, sacudindo aquele abajur de um lado para outro, estava imobilizado. Ele parecia um garoto bagunceiro depois de ouvir um alerta da mãe sobre um possível castigo: estava quieto e ouvindo.

— O senhor pode me dar isso? — Disse Aghi, com tranquilidade na voz e um olhar ameno, enquanto apontava para o abajur.

O senhor entregou o objeto para a criança, a cara de Miguel era nada mais que a plena definição da palavra perplexo. Seu susto refletiu-se na única expressão que sua boca conseguiria dizer depois daquele espantoso espetáculo de adestramento:

— Porra.... — disse Miguel erguendo as sobrancelhas.

Quando voltou a si, aproveitou aquela oportunidade, e com as mãos no ombro do Sr. Arcanjo, que agora parecia um paciente levemente anestesiado, guiou-o ao velho sofá da sala e ajudou a sentar-se de uma maneira confortável.

— Descansa um pouco, vô. — Disse com tom que mais parecia uma súplica.

—Aham, aham ... Disse o senhor, que quase instantaneamente preparava-se para cochilar no sofá.

Miguel não entendia absolutamente nada. Seu avô não surtava sempre, com os remédios os surtos eram raros e geralmente estavam relacionados a uma data marcante na vida do velho. Quando eles aconteciam o problema era sério, envolvia coisas quebradas, vizinhos irritados, vizinhos preocupados e o mais importante: sua irmã chorando assustada no quarto.

Mas dessa vez um garoto simplesmente apareceu, disse não como se o avô fosse um yorkshire adestrado e o ódio foi todo embora, simples assim. Não teve remédios, intervenções de médicos e atrasos no trabalho seguidos da justificativa familiar chamada "Meu avô surtou e eu levei-o ao médico".

—Aghi, esse é meu avô, pode chamar ele de Sr. Arcanjo. Cara, você ganharia uma fortuna trabalhando em asilos. — Brincou Miguel.

Aghi não parecia ter entendido a piada, mas deu um sorriso tímido. Parecia muito satisfeito por ajudar, ainda que sua cara não passasse a ideia de que alguma pergunta sobre como ele teria feito aquilo pudesse ser respondida. Talvez um rosto novo fosse o suficiente naquele momento para acalmar o avô.


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Ajuda muito e assim eu posso saber o que agrada e como melhorar a história.

Aquele abraço e excelente leitura!

Ômega - O Guardião Santo (Fantasia/Suspense/Sobrenatural)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora