14.Morte Parte III

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Aquilo poderia ser o que todas as pessoas do planeta contemplariam na hora da morte: uma imensidão de nada. Pensou que se tudo corresse normalmente, em breve Aghi estaria lá com ele. Mas esse pensamento foi cortado dele quando notou que não existiam outras pessoas ali. Possivelmente esse é o meu céu particular, pensou. Também poderia ser o inferno, mas ele realmente não queria pensar nisso. Se fosse um lugar de punição por seus pecados pelo menos não cheirava a enxofre.

Será que minha mãe passou por isso também? Pensou que provavelmente não, afinal ela era muito melhor que ele. Aquele caráter incorruptível e a mania de amar o próximo. Pobre coitada, perdoaria até mesmo seu assassino. Um luxo que ele não teria tendo em vista que o que tirou sua vida não era humano. Provavelmente o paraíso a aguardava. Talvez seu pai, sim, com toda certeza o pai passaria por algo parecido.

Seus pensamentos pararam novamente quando avistou outras formas de vida ao longe. Outra visão que fugia aos seus padrões de normalidade, mas aquela altura essa palavra — normalidade— já não fazia sentido algum. Ao redor de um altar em chamas, tão altas eram as tais chamas que ele mal podia ver alguma coisa ali, estavam algumas criaturas humanoides com enormes asas de pássaros, eram três pares em cada criatura. Essas asas escondiam seus corpos nus e também suas faces.

As criaturas, assim como as feras vistas anteriormente por ele, clamavam em uma língua desconhecida. Elas pareciam proteger o altar em chamas. Não apenas proteger, elas também o exaltavam sem cessar. Não podia contemplar seus rostos e isso o dava mais medo, sempre se assustou com pessoas que escondiam o rosto e não seria diferente naquele lugar.

A sensação dessa vez não era de paz, Miguel sentia um conflito estranho: por algum motivo ele não sentiu-se digno daquele lugar e tão pouco sentiu que aqueles seres estranhos o queriam ali. Apesar de não fazer contato visual, algo o alertava que aquelas criaturas o julgavam como um pecador em uma igreja do século XV. Quase podia sentir as sentenças entrando por seu peito.

Um dos seres que estavam próximos ao altar descobriu o rosto e abriu suas asas de pássaro, seu rosto era de um velho. Era quase tão velho quanto o seu avô, a barba grisalha e bem aparada era linda. Voou em direção a Miguel que os contemplava de cima, e parou próximo ao seu rosto. O encarava com seus olhos castanhos.

— Olha velhote, não fico a vontade com você invadindo minha zona de conforto.— Disse Miguel com um sorriso amarelo.

O velho ergueu o dedo indicador e tocou a testa de Miguel. Algo aconteceu. Todo seu corpo estremeceu, a vista totalmente embaçada por um instante deixou a sensação de que tudo desaparecera. Sentiu que todos os seus pensamentos eram varridos para um liquidificador ligado, e após uma trituração rápida, eram devolvidos a sua cabeça. Era uma das sensações mais desconfortáveis que ele podia imaginar.

— Mas que merda é essa?— Disse desesperado.

O ser estranho nada respondeu, limitou-se a remover a mão da testa de Miguel. O humanoide de aparência idosa voou de volta em direção ao altar flamejante. Ele dançava a palma da mão ao redor do fogo enquanto balbucia palavras inaudíveis. Então sutilmente sua mão atravessou as chamas, como quem colhe uma maçã do cesto, ele removeu uma esfera de fogo azul que aos poucos se desfazia de forma, tornando-se um com a mão dele.

O coração de Miguel disparado, parecia se esforçar para deixar seu corpo. Ele sabia que aquela chama tinha algum destino e provavelmente envolvia seu corpo. Temeu que o ser idoso o queimasse por completo e o deixa-se em dor e agonia pela eternidade. Seria um destino para os pecadores queimar até a morte? Difícil dizer. O fato concreto é que ele não gostaria de saber. Tentou recuar seu corpo dali, em vão. Não conseguia se mover da forma que queria, era simplesmente um observador de seu próprio destino, um escravo da ocasião por assim dizer.

Como imaginou que aconteceria o velho com a mão direita em chamas voou novamente em sua direção, se aproximou como anteriormente e estendeu a mão com o fogo na sua direção. Miguel notou como a chama azul brilhava nas mãos daquele estranho ser, notou algo nas chamas que se aproximavam lentamente de sua face: a figura de uma cobra estava naquele fogo azulado.

Sentiu um medo como nunca antes sentira. Precisava sair de lá rápido. Ele não poderia de forma alguma deixar que aquela chama tocasse sua face. Tinha se convencido que aquilo não podia ser algo bom, se envolvia cobras e fogo obviamente não poderia ser bom.

— Não me toque! Eu vou socar você! Droga! — Por algum motivo que ele não sabia qual não poderia dar um soco como ameaçou, mas conseguiu se debater. Debateu seus braços e pernas desesperadamente enquanto afastava seu rosto.

O ser idoso parou a mão antes de tocá-lo, seu semblante vazio mudou. Agora sua face refletia seriedade e desconfiança.

Um barulho estranho como os que Aghi fizera ao dizer o nome de Deus saíram das figuras humanoides que rodeavam o altar. Aparentemente era algum tipo sinal para o velho com asas que aquela altura recuava sua mão enquanto as chamas se apagavam deixando um rastro de fumaça azulada no ar.

Antes que Miguel pudesse se acalmar, o velho ergueu sua outra mão e ao abri-la uma enorme massa de ar, forte como uma rajada de vento em uma tempestade arrastou-o com todas as forças. O corpo girava com tanta velocidade que ele mal podia perceber quão rápido se afastava do altar em chamas.

Ômega - O Guardião Santo (Fantasia/Suspense/Sobrenatural)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora