6.Ceticismo Parte V

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— Eu vou pegar umas roupas limpas pra você, de quando eu era mais novo. Você pode tomar um banho enquanto eu ligo para hã... o conselho tutelar. Eles devem mandar alguém aqui pra perguntar sobre seus responsáveis e... — fez uma breve pausa — bem, deve ser só isso mesmo. Vai ser fácil.

Não seria fácil. Pegou em seu quarto algumas roupas antigas de sua infância, era uma calça moletom preta e uma camisa com um desenho de um restaurante no meio do espaço sideral. Por sorte Aghi tinha cuecas e meias limpas para vestir.

Enquanto o garoto tomava banho, Miguel telefonou para o conselho tutelar, explicou atrapalhadamente o fato de encontrar uma criança na rua, que afirmava não ser órfã, para a telefonista que após ouvir toda a história respondeu que transferiria a ligação para a sala da conselheira tutelar.

Depois de algum tempo esperando a transferência, para o telefone na sala da conselheira tutelar, ele ouviu uma voz masculina dizer alô, seguido de como posso ajudá-lo.

— Meu nome é Miguel, eu encontrei um garoto na rua, vocês podem me ajudar a encontrar o responsável por ele? Parece que é um senhor de outra cidade.— Disse Miguel preocupado com a hora e um possível atraso no trabalho.

— Senhor Miguel, infelizmente nossa conselheira tutelar está ocupada, mas nesse tipo de situação você pode trazer o garoto aqui, no horário de 08: 00 às 16:00 e veremos o que pode ser feito. — Parecia que ele falava de uma infestação e não de uma criança.

— Mas eu trabalho, não tenho como passar ai hoje. Vocês não podem mandar alguém aqui?— Perguntou chegando ao limite de sua paciência.

— Sinto muito senhor, o senhor pode estar trazendo ele amanhã...

Miguel desligou o telefone, aparentemente "pode estar trazendo" era o limite de sua paciência naquela tarde. Chegou sozinho a conclusão: não conseguiria ajuda para Aghi por telefone, precisava otimizar seu tempo no dia seguinte para ajudar a criança a encontrar sua casa.

Percebeu que o chuveiro estava desligado e foi até a porta do banheiro, bateu à porta e chamou:

— Olá, você já acabou? Vou ver se tem alguma coisa pra comer e... — A porta abriu com o toque de sua mão e o garoto não estava mais no banheiro.

Quando virou-se para o pequeno corredor, onde as portas dos quartos localizavam-se, ele viu algo que gerou um leve calafrio subindo por sua espinha em direção a cabeça, partindo seu cérebro em dois. A figura da criança parada no meio do quarto em frente a cama de sua irmã. A mesma irmã que não podia ver um médico sem algumas horas de preparação emocional e muita paciência — não apenas dele mas também do profissional envolvido.

E lá estava ele, um garoto atrevido de frente para sua irmã deitada. A garota segurava o edredom rosa como um escudo. Que tipo de garoto entra em um quarto de uma moça sem permissão e a encara, parado na cabeceira da cama? Tudo aquilo fazia Miguel se perguntar: sofreria o garoto de alguma deficiência mental? Ou ainda, se ele ao errar o diagnóstico de caráter não trouxera um completo maluco para dentro de sua casa.

— Oi, eu sou o Aghi! Você é irmã do Miguel, certo? Eu não trouxe pente, você tem um? — Perguntou o garoto.

Sofia continuava segurando firme o edredom com a mão esquerda, enquanto apontava com a mão direita em direção a cômoda de madeira ao lado da cama, onde um pote vermelho cheio de escovas de cabelo estava.

— Obrigado eu vou usar esse aqui e... — A mão de Miguel encontrou naquele momento a nuca de Aghi com um leve tapa.

Não era um golpe suficientemente forte para causar dor, mas foi o suficiente para dar um pequeno susto no garoto distraído que gritou contidamente "Ai" enquanto voltava-se para o agressor, indignado:

— Ei! Você me bateu? O que foi que eu fiz?— Perguntou assustado.

— Você entrou no quarto da minha irmã sem bater, seu doido! Ela não... Ehr... Ela não gosta de pessoas estranhas no quarto. — Explicou Miguel em tom de bronca.

— Eu não sou estranho! Eu bati à porta e ninguém respondeu, achei que podia entrar.

— Eu não disse que você é estranho! Eu disse pessoas estranhas. Ela não respondeu porque não pode falar!

Todo aquele debate foi interrompido por uma risada, a mais inesperada e rara delas. Sua irmã com um sorriso no rosto, ria e ria em um momento de felicidade sincera. Não estava com medo do garoto, ele parecia inofensivo para ela. Toda a raiva de Miguel se transformara em embaraço e alívio, e quando se deu conta estava sorrindo para a irmã. Perguntava-se qual teria sido a última vez que Sofia sorriu desse jeito, com toda certeza fazia um bom tempo que isso não acontecia.

Primeiro ele, o garoto, acabou com a fúria do avô e em seguida aquele momento cômico trouxera felicidade a sua irmã. Era tudo muito estranho e repentino para Miguel assimilar, mas quando a risada da irmã passou, ele aproveitou o momento para explicar a presença daquela figura estranha responsável por aquele sorriso.

— Sofia, esse garoto é o Aghi. Ele se perdeu da família e eu tô ajudando. — Disse com a voz afável.

Ela arregalou os olhos, virou-se e abriu a gaveta da cômoda, ao lado da cama, para pegar um caderno e uma caneta. Sofia encontrou esse método para comunicar-se com as pessoas sem precisar falar. Miguel sabia que isso não era saudável e que atrapalharia a recuperação da irmã, mas não tinha coragem de proibir.

No papel ela escreveu o seguinte:

"ELE VAI MORAR COM A GENTE?"

— Não, não... Não! Ele vai dormir aqui hoje, e amanhã nós vamos encontrar a família dele.

— Eu vou dormir aqui? — Perguntou Aghi surpreso.

— Eles disseram que você precisa ir até lá e eu só posso te levar amanhã.

— Eu preciso voltar, o Guardião Santo precisa de mim. — Explicou o garoto.

— Tudo bem...tudo bem. Vamos fazer assim: amanhã, no caminho, a gente passa pelo beco e você...

— Não! Eu preciso voltar hoje, tem alguma coisa estranha acontecendo. — O rosto do garoto parecia preocupado.

Miguel não tinha tempo para enganar a criança com alguma mentira complexa e aquela história de nome de Deus e guardião santo estavam tomando muito do seu dia. Ele chegou a conclusão de que se o garoto ficasse em sua casa até a noite, ele o convenceria a dormir lá em troca de comida.

— Você pode ficar pelo menos até que eu volte do trabalho à noite? Tô preocupado com meu avô. — Argumentou Miguel.

Percebeu que Aghi queria dizer não, quando Sofia pegou a caneta e começou a escrever rapidamente, o garoto conteve a negação e olhou para ela esperando para ler sua opinião.

Sofia tinha o dom de decifrar o irmão com apenas um olhar, e quando viu a insistência dele para que o garoto permanecesse na casa entendeu a importância que Aghi tinha para Miguel. Ainda que o termo Guardião Santo não fizesse sentido para a garota. Ela escreveu e mostrou para Aghi:

"FICA POR FAVOR!"

— Tá bom. — Aceitando o pedido sem pensar muito no assunto.— Eu fico sim!

— Bora lá. Vamos na cozinha pra você comer alguma coisa que eu tô atrasado. Vou ter que ir de moto. — Lamentou Miguel pensando na gasolina cada vez mais cara.

Ômega - O Guardião Santo (Fantasia/Suspense/Sobrenatural)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora