23.Amargo Parte IV

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Ainda naquela manhã Miguel matriculou Aghi em sua escola. Apesar do ano letivo em andamento a diretora fez uma concessão para a matricular o garoto. A verdade é que a nota de Miguel, no recente exame, o atribuiu certo status de respeito para com os docentes que, naquela manhã, discutiram o futuro de seus alunos. Aghi conseguiu até mesmo ter seu primeiro dia de aula, ainda naquela data, mesmo que sem material escolar ou uniforme. Algumas perguntas sobre seu tutor, todas respondidas por Miguel com mentiras, foram o suficiente para a diretora.

Na sala de aula, Miguel foi saudado novamente. Dessa vez por seu professor Nelson que, por um momento, chegou a pensar que a nota do aluno era fruto de uma bem elaborada "cola", mas a desconfiança de seu anfitrião foi breve. Por mais que Nelson não fosse um grande admirador do comportamento de Miguel, o tutor sabia do potencial do aluno em questão.

Enquanto Miguel tinha os olhares voltados para si naquela manhã, pôde perceber algo que passara despercebido em outras ocasiões: o ódio de seu colega de classe, Thomas Kannenberg. O garoto esguio o fitava com ar de reprovação intensa.

Para Miguel, lidar com ciúmes era algo raro, afinal, suas perdas familiares e a luta constante para sustentar a casa causavam empatia em seus colegas de classe e um leve desprezo de alguns educadores, que não se importavam com justificativas para faltas e para o ar supostamente sempre enfadonho de Miguel.

A importância que o tal garoto furioso ganhou na visão de Miguel foi breve. A preocupação com os Carniçais e o tal Alfa, um possível antagonista, consumiam todos os seus pensamentos.

Da janela de sua sala, Miguel conseguiu enxergar Aghi duas vezes naquela manhã. Em uma delas o garoto parecia razoavelmente feliz interagindo com os novos colegas. Isso trazia certo alivio. Independentemente do que Aghi dissesse, sobre ser um escolhido que conhecia o nome de Deus, ele era apenas uma criança. Fato esse que só pode ser constatado no momento em que o garoto interagia com outras crianças naquele pátio. Ele tinha um leve sorriso no rosto que contrastava com todo aquele choro e desespero da noite anterior.

Como poderia um garoto comum saber sobre criaturas terríveis como aquela? Ou então, como poderia saber o nome de Deus, o criador a muito ignorado por Miguel. Esse nome poderia ter algum poder oculto que ameaçasse tais monstros? Provavelmente Miguel não teria as respostas para essas perguntas que alardeavam sua cabeça.

A única certeza era de que ele precisava manter-se atento a qualquer coisa que movesse pela sombra, qualquer sussurro ou vulto, em qualquer horário de seu dia. Qualquer coisa poderia significar um novo ataque, como aquele do beco.

Ao final da aula, Miguel encontrou Aghi na saída do colégio. O garoto parecia entusiasmado com o novo ambiente. Enquanto esperavam Isabel, que estava como de costume dando atenção ao maior numero possível de pessoas, Aghi contou sobre seu dia e como a escola de Miguel era agradável. Aparentemente o garoto passou a maior parte de sua vida sendo educado pelo homem chamado Todorov.

— Eu me diverti muito hoje, Miguel. Obrigado.

— Que bom, cara. Mas preciso te pedir um favor. — Disse Miguel com um ar mais sério.

Aghi consentiu levemente com a cabeça para que ele prosseguisse.

— Daqui a pouco a Isabel vai descer. Ela não sabe nada sobre Carniçais e nome de Deus, então não vamos passar por aquele beco. Nós vamos direto pra casa e outro dia você pode ficar fazendo aquele barulho estranho.

— Barulho estranho? Aquilo é o nome de Deus! — Aghi respondeu com um ar levemente indignado.

— Aham, claro, claro. E esse negócio de nome de Deus faz alguma coisa?

— Faz alguma coisa? Como assim? — Questionou Aghi.

— Sei lá, cara. Por exemplo, se você falar três vezes aparece um anjo? Ou então, se você repetir perto de um Carniçal a cabeça dele explode. Você pode soltar raios pelos olhos quando fala? Sei lá, qualquer coisa, oras!

—Eu acho que não. — Aghi respondeu rindo. — Mas é uma grande honra, então deve fazer algo incrível também.

— Ser da monarquia britânica também é uma grande honra, mas eu prefiro soltar raio laser. — Disse essas palavras em um tom debochado.

Aghi sacudiu a cabeça negativamente enquanto sorria. Provavelmente esse tipo de brincadeira não o agradava em nada, mas o garoto não parecia ser o tipo de pessoa que perdia a paciência com facilidade.

Assim que Isabel despontou na porta de entrada do colégio, já quase sem alunos, os dois calaram-se. O assunto imediatamente voltou-se para a vida de Aghi e seus planos para o futuro. Enquanto Miguel inventava histórias malucas, para justificar a ida de Aghi para sua casa e a ausência de algum familiar que pudesse encarregar-se de cuidar dele, o garoto apenas fitava o amigo mais velho com ar de reprovação. Em sua face o garoto se perguntava se tais mentiras visavam realmente manter Isabel em segurança ou se aquela era uma forma de Miguel manter sua sanidade intacta fugindo de assuntos sombrios.

Enquanto os três confraternizavam na porta do colégio, uma silhueta despontava na janela: Thomas Kannenberg. O jovem, ainda dentro das dependências da escola, encarava com seu furor intenso a Miguel.

Quando Aghi percebeu a presença de Thomas, cutucou rapidamente seu amigo para que olhasse em direção ao jovem que os encarava do segundo andar. Miguel abriu um sorriso provocativo para o garoto. De alguma forma ele sabia que aquele sorriso irritava Thomas com todas as forças de sua alma. Mas o que Miguel não sabia era que o próximo encontro entre eles seria em um confronto por suas vidas.


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Obrigado pela leitura!

Aquele abraço!

**** PRÓXIMO CAPÍTULO 15/07 ****

Ômega - O Guardião Santo (Fantasia/Suspense/Sobrenatural)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora