24.Amargo Parte V

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Thomaz Kannenberg morava em uma região nobre da cidade cinza, por dentro de seus muros altos e câmeras de vigilância a vida era pacata para: babás, seguranças e alguns moradores que dificilmente estavam em casa durante a semana.

O jovem acostumado a estudar nas melhores escolas mudou-se recentemente para a escola Instituto Educacional Demétrio a pedido do pai que desejava uma interação maior do filho com outras classes sociais. Possivelmente ao herdar a fortuna do pai o jovem precisaria entender como funciona a vida dos empregados, ainda que a contragosto da mãe.

Tudo corria bem na investida de Thomas de tirar excelentes notas, em uma escola em tese precária, trabalhos fáceis e um curso preparatório caríssimo pós-aula. Mas algo mudou quando notou a presença de um aluno repetente: Miguel.

O tal aluno era detestável, dono de um sorriso arrogante e um jeito despreocupado de alguém que não se importa com nada na vida. Thomas nunca procurou saber sobre a vida do tal repetente, tinha em mente que possivelmente era algum vagabundo, e que os pais trabalhavam o dia inteiro enquanto ele aproveitava a juventude com sua linda namorada. Além de uma vida perfeita o tal repetente tinha amigos e uma sorte inacreditável. Sorte, era a única explicação plausível para o tal Miguel tirar uma nota maior que a dele em um teste preparatório. Não podia aceitar a remota possibilidade de aquele indivíduo ser capaz de superá-lo.

Naquele dia específico, Thomas não iria de sua escola para o curso, ele precisava ir até sua casa e exibir sua vitória: Uma excelente nota, que superou sua média de 90 pontos. Os pais ficariam orgulhosos, afinal, seu filho estava a um passo de passar em qualquer universidade do país, ou seguindo o exemplo do pai poderia ser aceito nas melhores instituições da Europa, dinheiro para estudar em outro país não seria problema.

Chamou um táxi na saída da escola, tinha o hábito de esperar a escola esvaziar antes de sair para que os outros alunos não percebessem que ele fazia o trajeto de sua casa de tal forma. Ao ser recebido pelo porteiro do condomínio, o veículo percorreu o belo caminho arborizado naquela manhã até a quadra em que se localizava a família Kannenberg.

A fachada da casa era exuberante, a bela esquadria de vidro do andar superior, o Jardim elegante exigido por sua mãe que quase levou a arquiteta ao hospital com tantos detalhes e mudanças, e aquela estrutura imponente causada pela elegantíssima porta de entrada e a escadaria pequena, mas de certa forma monumental (como um paquiderme em uma loja de cristais), tudo bem ao estilo de seus pais.

Entrou em casa, entusiasmado, encontrou seus pais sentados na sala tomando um café após o almoço. Tudo servido, por Margaret a velha senhora que trabalhava nos serviços domésticos da família Kannenberg há 65 anos.

—Boa tarde, querido. — Disse Leta Kannenberg, a mãe de Thomas.

—Boa tarde, mãe. Boa tarde, pai.

O pai, sem soltar o celular, apenas acenou com a cabeça. Aparentemente estava trabalhando na hora do almoço.

— Eu tenho uma notícia: saiu o resultado do teste preparatório, eu aumentei minha nota para noventa e cinco pontos.

O pai abaixou o celular rapidamente e olhou para o filho entusiasmado.

— Isso é magnífico, Thomas. Meus parabéns. Você acredita nisso, Leta? Nosso filho melhorou ainda mais na escola. Sabia que um pouco de convivência com outras pessoas daria certo.

— É verdade, Cássio. Nosso filho está de parabéns. Eu não tinha dúvidas que a nota seria maior que a da ralé.

Thomas abriu um sorriso de satisfação plena. E concluiu:

— Sim, eu obtive a maior nota. O único que superou minha nota foi um tal de Miguel, mas ele é um repetente sem escrúpulos. Com toda certeza foi uma cola.

— Então sua nota não foi a maior da escola, Thomas? — O ar solidário da mãe deu lugar a uma face séria de julgamento.

— Ora, Leta, é apenas um mero detalhe, o outro aluno colou. — Disse o pai.

— Só um instante, Cássio. Margereth você pode se retirar. Não precisamos mais de você hoje. Muito, obrigada.

Com o pedido de Leta, Margereth balançou a cabeça positivamente, pegou sua bolsa e saiu da casa rapidamente. Leta observou à senhora fechar a porta e aguardou alguns instantes para ter certeza de que poderia falar sem ser escutada por sua funcionária.

Naquele momento Thomas sentiu um arrepio assustador. Sabia bem o que a postura da mãe significava . Precisava adiantar-se e justificar a nota o mais rápido possível:

— Eu tenho certeza que ele foi desonesto, além do mais ele já fez essa prova antes. Aquele esquisito tem uns vinte anos de idade.

A mãe fez um sinal com o dedo pedindo silêncio ao filho. Sentou-se em sua cadeira novamente e olhou para Cássio.

— Se ele obteve uma nota menor que um repetente é uma vergonha para nossa família. Imagine se os Alcântara de Bitencourt descobrem isso, Cássio. Nem em uma escola pública de baixo nível nosso filho consegue ser o melhor. Isso não pode ficar assim. — Indagava ao marido com um olhar severo.

O homem calou-se por um momento. Respirou fundo e disse:

— Obviamente, querida. Conto com você para disciplinar nosso filho.

Disciplinar era a palavra mais horripilante que poderia ser dita naquela casa. Thomas sabia muito bem o que aquilo significava: o porão. O cômodo da vergonha dos Kannenberg, o local da tortura onde ele pagava por seus fracassos.

— Não, pai. Por favor! Não deixa ela me levar pra aquele lugar. Eu não errei! Eu não tenho culpa.

— Thomas, respeite sua mãe. Não seja dramático. Tudo que Leta faz é pelo bem dessa família. — O tom de voz daquele homem era de total indiferença. — Eu preciso voltar ao trabalho agora.

— Venha comigo, Thomas. — Disse Leta.

O jovem estava desesperado. Segurou firme o braço do pai e implorava para que ele não saísse. Não adiantou, Cássio empurrou a mão do filho. Beijou a esposa e saiu de casa como se não soubesse o que aconteceria naquela casa. A mãe fechou a porta aos sons soluçantes do choro preso de seu filho.

Após duas horas naquele porão escuro na companhia de Leta e daquele maldito porrete disciplinador, algoz de sua dor e cúmplice da energia quase que sobre-humana da mãe, o garoto se arrastou cambaleante ao seu quarto, isolado no segundo andar da casa. Tão exausto e machucado que adormeceria no chão ao lado da cama.

Antes de apagar viu a imagem de um homem pálido, usando um terno bem alinhado, sentado na beirada de sua cama, com um sorriso sarcástico ele disse:

— Boa tarde, Thomas. Sou sua fada madrinha da insanidade. Precisamos conversar.

Thomaz Kannenberg desmaiou.

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Obrigado pela leitura! 

Aquele abraço!

****PRÓXIMO CAPÍTULO 22/07****

Ômega - O Guardião Santo (Fantasia/Suspense/Sobrenatural)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora