16.Morte Parte V

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Naquele momento sua expressão tomou o ar de desconfiança, característico de Miguel.

— Que seria...

— Você deve admitir a existência de Deus.

Contorceu os lábios em leve desaprovação, mas não podia negar o fantástico. Ele estava morto e estava no infinito. Talvez Deus estivesse ali mesmo em algum lugar o observando, afinal ele era onisciente.

— Por mim, tudo bem. Me leve ao infinito, babe! — Disse rindo.

Um breve silêncio tomou conta de tudo, e após o silêncio as trevas. O corpo de Miguel voltou a flutuar mas a imensidão branca deu lugar a escuridão. O corpo emanava uma luz dourada que entrava em contraste com as trevas. Sentiu sua mente ser invadida por todos os pensamentos que sequer sabia que ainda estavam em seu cérebro. Rapidamente imagens dele ainda bebê no colo da mãe e outras de sua infância tomavam forma, davam espaço para uma mistura imensa de sentimentos. Lembrou-se de uma vez quando tinha seis anos de idade e resolveu brincar de torturar formigas, as despedaçando aos poucos. Mas essa lembrança desta vez não tinha ar de infância, sentiu que estava em dor, não era seu ponto de vista mas o da formiga.

— Não se assuste, o que você está presenciando são os acontecimentos de sua vida, pela perspectiva de outras criaturas. — Disse a voz feminina, que parecia também presenciar todas as aquelas memórias.

Diversas outras lembranças aconteciam e apesar da velocidade com que apareciam todas traziam algum tipo de sentimento. Lembrou-se da primeira vez que recebeu um A na escola, com felicidade, e pouco tempo depois se lembrava da primeira suspensão, por ter sido pego matando aula, lembrou com a tristeza que sua mãe sentiu ao atender a ligação da diretora.

Em uma das lembranças mais marcantes, ele brigara com o avô pouco depois da morte de sua mãe. Na discussão ele culpava o Sr. Arcanjo pela morte da mãe, enquanto gritava com todas as forças que o odiava. O que mais causava tristeza nesta lembrança era saber que do ponto de vista do avô tudo era verdade. O velho homem carregava o fardo da morte de sua filha com pesar e Miguel concluiu que isso poderia ter acelerado a condição atual de seu avô.

Nunca imaginou o impacto de suas palavras na vida de outras pessoas, e não apenas de familiares, em um determinado momento de sua última semana de vida ele teria descordado de um comentário na internet deixando a mensagem:

"Analisando seu ponto de vista posso concluir que você é semianalfabeto. Por favor aprenda a escrever corretamente antes de defecar sua opinião nos comentários."

Na época achou-se engraçado ao perceber que duas mil e quinhentas pessoas o apoiavam, curtindo seu comentário. Mas agora descobriu que o ofendido era um jovem de dezoito anos com síndrome de Irlen, como nunca foi diagnosticado sua família simplesmente o tratava como um preguiçoso que não gostava de ler e escrever. Sua forma física, e sua aparência eram alvo constante das ofensas do pai e irmão. O comentário feito por Miguel causaria um impacto tão grande somado aos maus tratos da família que o fizera tentar suicídio. O rapaz ingeriu veneno, mas por ter sido atendido rapidamente sobrevivera e agora lutava por sua vida em um hospital.

— O que significa tudo isso? Porque eu estou vendo isso? — Disse em um tom de desespero.

— Todas essas recordações formam sua vida. A tristeza e alegria, a raiva e o alívio, tudo isso faz parte de uma existência maior. Você precisa se acalmar e aceitar tudo, assim você pode se perdoar para aprender a perdoar os outros.

Se acalmou aos poucos, tentou colocar ordem naquele fluxo contínuo de lembranças. Aos poucos, sua mente entendia seu lugar no universo e as lembranças davam lugar a todo tipo de imagem. A medida que a compreensão aumentava as trevas davam lugar a luz.

Ômega - O Guardião Santo (Fantasia/Suspense/Sobrenatural)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora