15.Morte Parte IV

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Quando enfim seu corpo se estabilizou estava novamente no meio do nada. Claro que para ele, o nada em sua imensidão, era melhor que o perigo em que estava, ou que pensou estar. Quando um lugar não faz sentido algum talvez o perigoso seja tranquilo e vice-versa. O fato é que ele estava mais aliviado, embora uma coceira o alertasse constantemente que a próxima aparição poderia ser pior.

Resolveu evitar esse tipo de pensamento e descansar. Esticou o corpo como se estivesse deitado, fechou os olhos e tentou não mais pensar. Não pensar na mãe que poderia estar presa nesse limbo caótico, não pensar na irmã que estaria sozinha, ou, pelo menos, sem ele, para sempre. E o pior: não pensar em Aghi sendo devorado por uma fera chamada Carniçal, a fera com presas terríveis que aparentemente se alimentara de homens. Quantos homens teria comido aquela coisa? Dez, cem, mil? Depende de quantos anos ela tem. Seria imortal? Se fosse imortal comeria um ou dois humanos por dia? Meu Deus, quanta gente morta, não é mesmo? E lá estava ele, pensando, pensando, pensando. Era impossível se concentrar em nada.

— Alguém! Não aguento mais! Qualquer pessoa! O que vocês querem de mim? — Gritou.

Quando você encara o abismo, ele encara você de volta, pensou Miguel. Talvez gritar com o nada fizesse o nada gritar de volta. Mas não aconteceu. Era o mais puro silêncio. Absolutamente nada acontecia enquanto o tempo — ou a representação de tempo que Miguel acreditava — passava.

Calculou dois dias de silêncio, mas como não conseguia acompanhar a lentidão do vazio existencial — pela primeira vez esse termo teve para ele significado não metafórico — talvez fossem duas horas ou duas semanas. Era o nada insuportável que prisioneiros na solitária deveriam sentir, mas no seu caso ele mal tinha controle do próprio corpo, flutuava inerte e não tinha fome ou sede. E o que piorava sua situação em relação a de um homem na solitária era o fato de não ter uma data para sair. Seria fantástico se um policial aparecesse e grita-se joguem ele na solitária por três dias, ao menos saberia quando seria o fim.

— Olá! Tem alguém em casa? Eu gostaria de pedir um X-egg burguer, por favor! Com fritas!

Nenhuma resposta. Lembrou-se de quando era criança e perdera sua mãe, naquela época ninguém lhe dirigia a palavra, apenas acenavam a cabeça de longe com pena. Pobre garoto, virou um órfão, eles diziam uns aos outros. As crianças tentavam ser legais com ele, provavelmente a pedido dos pais. Naquela época Miguel se preenchia de uma força que ele não conhecia, precisava cuidar de sua irmã e não poderia contar a ajuda de ninguém.

Agora se encontrava em uma situação diferente: não tinha ninguém sentindo pena dele e não existia ninguém para ele cuidar. Ser forte não faria diferença alguma, ele poderia enlouquecer e gritar. Pessoas tachadas de loucas tem diversos problemas práticos na vida, mas naquela situação específica em que ele se encontrava poderia ser bom não ter razão alguma em sua cabeça.

— Olha só, vocês podem se esconder o quanto quiserem, ok? Afinal eu vou continuar aqui no mesmo lu...

Antes que pudesse contemplar seu argumento sentiu seu corpo sendo lançado para baixo, a gravidade estava de volta e o puxava em direção a alguma coisa. Não acreditou que poderia ser o solo, e a medida que seu corpo descia ele começava a perder a consciência, se esforçou para não desmaiar em vão. Apagou rapidamente enquanto sua visão embaralhava -se.

Recobrou a consciência algum tempo depois, acordou em algo semelhante a um chão firme, um extenso piso branco que corria até onde sua vista poderia alcançar. Continuava naquela imensidão branca, mas desta vez não flutuava, podia andar. Sua personalidade se sentia mais à vontade com o piso firme do que com a falta de controle daquela flutuação de outrora.

Ômega - O Guardião Santo (Fantasia/Suspense/Sobrenatural)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora