60. Estrada Parte III

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O temor rondava a mente de Aghi, na noite anterior, o Guardião Santo lhe falara sobre a possibilidade de encontrar alguém tão perigoso, contudo a afirmação de que o nome de Deus poderia salvá-lo não se concretizou, quando mencionou a palavra, Alfredo sequer escutou qualquer som.

Estaria o Guardião errado? Dificilmente, o provável, e que o menino sentia em sua alma, era que algo naquela caverna alterou sua fé, abalou sua confiança. Sua cabeça estava rodeada de negatividade e incertezas, não poderia afastar aquele homem sozinho, ele precisava de ajuda.

Sem Miguel, sem o Guardião, mas ainda com uma esperança: Majora.

O celular no seu bolso era a única alternativa de escapar daquela situação antes que Alfredo fizesse algo terrível, e aquele sorriso carregado de maldade e rancor indicava que ele não tinha muito tempo.

— Você vai adorar esse jogo...

— Eu não vou jogar jogo nenhum!

— Você vai, seus pais não te disseram que é falta de educação recusar um convite?— O homem da boca costurada olhou bem nos seus olhos, um breve titubear de Aghi entregou suas lembranças mais íntimas.— Caramba, você é órfão? Que clichê!

O homem gargalhou novamente enquanto o menino pensava nas perdas que tivera em sua curta vida. Algum dia aquele ciclo de violência terminaria?

— Não esquenta, nem sei se já tive pais. Talvez eu tenha matado eles, não seria engraçado? Mas voltando ao jogo: estamos nessa estrada, com nosso confortável carro, e então pensei, por que não testar se Deus gosta mesmo de você? É simples, nós estamos indo para um lugar específico, não vou estragar a surpresa e contar, se durante o percurso encontrarmos um pedestre, você sabe, alguém que não esteja de carro, uma pessoa azarada andando na beira da estrada. Isso, se encontrarmos um andarilho vou matá-lo, se não nos depararmos com ninguém, Deus está do seu lado e eu te liberto, você vence. Entendeu?

— Eu não vou participar disso, Alfredo! Você não vai matar ninguém.

— Olha só, parece que o garoto santo está com medo. Não se preocupe, o céu está nublado, dificilmente toparemos com alguém andando por aí. A vantagem é sua.

— Eu não...

— Silêncio, se falar mais alguma coisa vou incluir os veículos também, você não quer ser culpado por um massacre, né? Me imagina jogando esse carro em cima de um veículo com uma família inteira? Não gostaria de carregar essa culpa, né?

Aghi se contraiu no assento do carro, não poderia contar com o "bom senso" de Alfredo, precisava ligar para Majora, sem que ele percebesse. Tarefa difícil, o homem conseguia focar na estrada e no garoto, qualquer movimento indiscreto resultaria em Alfredo tomar o celular e arremessar pela janela, se isso acontecesse tudo estaria perdido.

Ele precisava de algum momento de distração, o homem da boca costurada só precisava lhe dar alguns segundos, tempo suficiente para uma mensagem de texto, algo que indicasse alguma pista de seu paradeiro, algo como a placa "km 250" ou o casebre de beira de estrada, que avistaram minutos atrás.

Ainda assim, ele não sabia se Majora poderia enfrentar o Amaldiçoado, ou sequer se a nova amiga conseguiria encontrá-lo a tempo de evitar uma desgraça.

Infelizmente não demorou mais do que alguns minutos para que o pior se confirmasse.

Os dentes amarelos de Alfredo se alinharam nos traços inconstantes de seu rosto, enquanto ele saboreava à vista bem à sua frente: dois homens, jovens, andando na margem da estrada, entre o pequeno desnível de terra e o mato aparado na lateral da pista. Eles sorriam e se divertiam de tal forma que nem perceberam o carro se aproximar.

Ômega - O Guardião Santo (Fantasia/Suspense/Sobrenatural)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora