Capítulo II - 11

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Uma tarde agradável prosseguia na cidade de Canoas, no Rio Grande do Sul. Muitos representantes da alta sociedade estavam reunidos em uma multidão caucasiana no Clube Vindouro, onde os membros do Automóvel Club de Porto Alegre comemoravam o fim da segunda edição do Quilômetro Lançado¹. As mulheres aproveitaram para mostrar os ombros em seus leves vestidos de verão em cores claras e os homens vestiam ternos na cor bege ou então de linho. Em uma das tendas armadas para a reunião do clube, um grupo de homens e socialites conversava animadamente com suas taças de champanhe em mãos, quando Benício, que chegou em terceiro lugar a bordo de seu Dodge de número 11, juntou-se a eles.

– Parabéns pela corrida, Benício! – Uma das moças, com ar delicado e sensual, parabenizou-o de pronto.

– Obrigado, Celina. – Respondeu Benício, galanteador, ao pegar uma taça de champanhe da bandeja do garçom. – Embora eu esteja um pouco decepcionado com o terceiro lugar.

– Ah, meu caro, jamais deixaríamos um carioca ganhar em solo nosso! – Respondeu um gaúcho alto e de bigode grisalho, com um suéter horrível. Era um dos patrocinadores do evento. Todos em volta riram.

– Por que demoraste tanto? – Perguntou Celina.

– Estava em uma ligação. Minha irmã esteve no hospital hoje mais cedo.

– Meu Deus, ela está bem?

– O médico garantiu-me que não era grave, mas ela queria falar comigo e eu aproveitei para me pôr a par do que estava acontecendo por lá.

– Ah, eu sei o que está acontecendo no Rio de Janeiro! – Comentou, com um certo tom de malícia, um rapaz loiro de olhos claros, um dos corredores do dia (sétimo lugar).

– Como assim? – Benício riu do comentário e do tom estranho do colega.

– A primeira coisa a acontecer no Rio de Janeiro que me interessa. Vitória Castro retornou da Europa.

– Quem? – Indagou Celina, curiosa.

– A filha do Constantino de Castro, não é? – Disse Benício.

– Ela mesma. Inteligente, abastada e, definitivamente, a mulher mais linda que já conheci.

– Ah, que graça. Estás apaixonado, Henrico? – Caçoou Benício.

– Não, mas, se vê-la novamente, provavelmente estarei. – Disse Henrico, entre suspiros.

– Então é bom que Vitória nem pense em vir para o Sul, teu pai ficaria furioso vendo-te engraçar-se com uma carioca desbocada. – Comentou Benício.

– Conheces ela, Benício? – Questionou Celina.

– Sim, esbarrei com ela há uns três anos. Minha irmã é muito amiga de uma das primas dela.

– Eu a conheci na Itália ano passado em uma corrida em Roma. Que visão! Será que ela ficará permanentemente no Brasil? Quer dizer, agora que o pai morreu...

– Eu não sei. De repente veio apenas buscar a herança e partir. Minha irmã disse que ela é estudada, viajada... Faz várias coisas na Europa.

– Estudada? – Perguntou Celina. – O que estuda?

– Acho que é historiadora. Sei que ela viaja o Oriente, a África com aquelas pessoas que desenterram objetos antigos e estudam história. – Respondeu Benício.

– Uau, deve ser incrível! – Comentou Celina.

– Se a vir, diga que eu a amo! – Exclamou Henrico.

Todos riram do tom consideravelmente bêbado de Henrico que se declarava para uma moça a mil quilômetros e meio de distância e que provavelmente não se lembrava dele.

O grupo dissipou-se pelo clube e estavam todos seguindo com seus engajamentos sociais enquanto o sol ameaçava se pôr. Benício passeava de braços dados com Celina pelo belo jardim do local, que contava com um pequeno labirinto, arbustos coloridos e uma grande fonte em pedra ornamentada com anjos, onde os dois pararam bem na frente.

– Ficarás quanto tempo por aqui? – Perguntou Celina.

– Só até amanhã. – Respondeu Benício. Celina fez um bico triste e o fitou por cima dos olhos. – Eu gostaria de ficar mais tempo. – Continuou. Celina revirou os olhos. – Eu juro! – riu – Eu ficaria mais tempo se não fosse minha irmã e os negócios.

– Achei que teu cunhado administrasse teus negócios. E a tua irmã!

– Bem, ele administra terrivelmente mal ambos, garanto. – riu.

Celina pôs as mãos em seu peito e correu-as até seu pescoço, ainda com a expressão pidonha e carente.

– Fique... Por favor! Só mais um pouco, eu imploro!

– Desculpe-me, meu doce... – tomara uma das mãos da moça na sua e levara-a até a boca, estalando um beijo em sua palma – Por que não visitas tua tia no Rio logo mais? – Perguntou Benício, com tom sugestivo. – Adoraria mostrar-lhe pessoalmente todos os lugares que adoro.

– Papai detesta que eu vá para o Rio. – sorriu – Mas, quem sabe, tendo a ti como desculpa, talvez ele me deixe passar uma temporada lá. Talvez no inverno...

– Adorará o inverno no Rio, querida. – afastou uma mecha dourada da frente do rosto de Celina – Podemos tomar sorvete e banho de mar.

– Ah, eu adoraria!

Benício olhara nos profundos olhos azuis da gaúcha e notou que ela fitava sua boca. Em seus sapatinhos, ela subiu levemente na ponta dos pés para alcançá-lo, permitindo-se ser beijada pela primeira vez.

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¹ Modalidade de corrida muito popular no Rio Grande do Sul em meados da década de 20 onde, em um trecho inicial de 600 metros, os carros ganhavam velocidade; já em velocidade máxima ao fim do trecho inicial, o tempo era cronometrado na distância exata de 1 quilômetro. Entretanto, a primeira edição do Quilômetro Lançado de Porto Alegre, no circuito de Canoas, só viria a ocorrer em 1926.

Castro e SouzaOnde as histórias ganham vida. Descobre agora