Capítulo LXXIV - Contos de fadas

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Benício estacionava seu Ford T na frente de casa. Vitória, como sempre, não aguardou que ele fosse abrir a porta e desceu do carro animada, cumprimentando os empregados que tiravam as malas do banco de trás. Os dois entraram e o cheiro da comida de Dona Ivete invadiu suas narinas. O almoço estava posto e aguardava por eles na mesa da pouco usada sala de jantar, já que os empregados comeram mais cedo.

- Deus, a comida estava ótima. - Comentou Benício recostando-se na cadeira após terminar de comer. Vitória também tinha o prato vazio.

- Foda-se, somos casados. - Murmurou ela antes de servir-se novamente de uma grande porção de batatas. Benício riu.

- Nunca a vi comer tanto. - riu.

- Exatamente. Nunca viu.

- Bem, não sou eu que irei censurar-te por isso depois de ter desmaiado no jantar ontem.

- Por que toda vez que visito minha prima alguma coisa acontece?

- Ótima pergunta. - riu - Mas... Está tudo bem mesmo?

- Está. Aparentemente estou anêmica. Não te preocupes, não é nada demais.

- Certeza?

- Provavelmente era só o estresse.

- O que estava estressando-te?

- Nada. Nada demais. - pigarreou - Apenas coisas do trabalho provavelmente. Bem, você também me tirou o sono nos últimos meses. - riu.

- Entendi. - sorriu - Bem, eu nunca te agradeci por ter cuidado de mim após
.. Enfim, obrigado por tudo, de verdade.

- Não há de quê. - sorriu.

- Eu irei voltar para o meu apartamento hoje.

Vitória engoliu o que estava mastigando e encarou o próprio prato por um momento.

- Mas já? - riu.

- Não te preocupes, eu irei ter o máximo de discrição o possível.

- Eu... Bom, eu achei que tivesses reconsiderado por um momento.

- Eu acredito que estamos em páginas diferentes agora. Entendes do que falo, certo?

- Sim, é claro. - Disse Vitória, rápido e com um sorriso que beirava o desespero. - Eu apenas estava pensando na questão da viagem.

- Ainda podemos ir. - riu - Não precisamos brigar, apenas...

- Eu entendo.

- Se precisares de qualquer coisa, sabes bem onde minha janela fica. - Informou Benício enquanto se levantava da mesa.

- Acho que não preciso entrar pela janela mais. - Disse Vitória com um breve sorriso para disfarçar a expressão confusa que tinha.

- E nem sair no meio da madrugada. - Completou Benício.

- Benício. - Chamou Vitória, levantando-se e segurando no braço dele em seguida.

- Sim?

- Por favor... Caso envolva-se com alguém, por favor, tenha cautela. E discrição.

- Claro. - assentiu - O mesmo para ti, Doutora.

Naquela mesma tarde, Benício foi para a oficina e não retornou para jantar. Sem malas ou caixas como da última vez - suas coisas já estavam todas no apartamento. De noite, andando pelo local vazio, questionava se havia tomado a decisão certa - e temia que sim. Havia nele ainda uma pontinha de esperança em que Vitória correria para os seus braços e nada mais importaria. Apesar de decido a ir embora, queria que ela pedisse para ficar, queria que ela o impedisse de ir, qualquer coisa. Ainda tinha entalhada na mente a sensação de como ela agarrou seu braço quando ele se levantou da mesa. Ele pôde até mesmo sentir as unhas dela sob o tecido da camisa. Parecia uma forma desesperada de dizer "Fique!", mas não foi isso que saiu da boca dela. Benício estava ciente de como ela sofreu com as fofocas e boatos na primeira vez que ele foi embora; talvez, no fim, esse era o único desespero dela.

Castro e SouzaOnde as histórias ganham vida. Descobre agora