Capítulo LXXI - Modos vitorianos

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Há dois meses, Benício procurava decifrar o comportamento de Vitória - e permanecia sem obter sucesso. Sua vontade era perguntar o que estava havendo de uma vez por todas. O que eram as ligações estrangeiras no meio da noite? O que eram suas saídas misteriosas de manhã tão cedo? O que ela queimava naquela lareira que jamais seria acendida para esquentar um cômodo? Mas ele sabia bem que nada punha Vitória na defensiva melhor do que a ameaça de invasão à privacidade dela, então seria apenas mais uma briga comprada. Uma briga em um momento que ele era capaz de sentí-la tão calma, tão serena e até mesmo amorosa, pelos beijos e sorrisos em momentos que ele não esperava. Havia algo errado com ela e ele não fazia ideia do que poderia fazer para descobrir.

Benício passava pela porta do escritório de Vitória, que estava encostada. Escutou de lá de dentro um emaranhado de palavras confusas que ele logo identificou como ela discutindo em italiano com alguém no telefone, o que poderia ser uma cena comum. "Io non posso farlo!", escutou ele, a única frase que entendeu com clareza. "È rischioso essere coinvolti in questo, soprattutto io! Sono occupata, lo risolviamo più tardi. Ciao, Nicola.", ele escutou o nome de Nicola e a batida do telefone no gancho. Bateu na porta em seguida.

- Entre! - Escutou Vitória gritar.

- Bom dia. - Disse ele ao entrar no escritório. Vitória estava de jaleco e com a mão esquerda apoiada na testa, como ela fazia quando estava estressada.

- Bom dia. - Respondeu Vitória, recompondo-se e buscando sua carteira de cigarros pela mesa.

- Está tudo bem? Escutei-lhe discutir com Nicola no telefone.

- O quê? Estás a escutar minhas ligações agora? - Disse Vitória, indignada, com o cigarro na boca.

- Vitória, meu escritório é ao lado do teu, tudo o que eu fiz foi abrir a minha porta.

- Ah, bem. - suspirou - Desculpe. O que precisas?

- Uma aspirina.

- Eu deixei uma caixa no teu banheiro.

- Acabaram.

- O quê? - levantou-se - Por que não me contou que as enxaquecas voltaram?

- Eu sei lá, elas são normais para mim.

- Sim, mas sofreste várias concussões há poucos meses, o que estavas pensando?

- Ótima pergunta.

- A cabeça além de dura é oca pelo visto. - Resmungou Vitória, despejando o pacote de aspirina em um copo d'água.

- Ah, claro, eu sou o cabeça dura desta relação. - Disse Benício, irônico, enquanto pegava o copo da mão de Vitória. - Obrigado.

- Engraçadinho. - Debochou Vitória, aparentando menos estressada que antes, ao sentar-se na beirada de sua mesa. - Bem, aproveitando que estás aqui. Helena e Sebastian voltaram da Argentina.

- É, eu sei. Sebastian ligou-me.

- Sempre esqueço que são amigos. Então, minha família passará o próximo fim de semana em Petrópolis antes que Helena dê a luz e decida desaparecer até ficar magra novamente. Vamos?

- Como ela pode desaparecer com quatro crianças?

- Não faço ideia.

- Nossa. - arregalou os olhos - Eu não sei. Achei que nem fosses considerar por conta da última...

- Sim, a última vez foi terrível. Mas minha prima está grávida de oito meses e pediu-me para passar o fim de semana com a nossa família. Eu devo a ela o esforço.

- E eu apoio completamente que o faças.

- O convite era para nós dois.

- É, mas a família é tua.

- Bem, e eu não estou nem um pouco a fim de ter que justificar a tua ausência.

- Ah, então estes são os modos vitorianos de dizeres que desejas minha companhia, mas sem pedir diretamente? - Perguntou Benício, sarcástico.

- Por que eu ainda insisto? - revirou os olhos.

- Se queres que eu vá, basta que me peças, Doutora. - riu.

- Irás ou não? - Perguntou Vitória, impaciente, mas sem conseguir segurar o riso.

- Preciso checar a minha agenda. Mas, já que decidira sorrir pela primeira vez em mais ou menos quinze dias, eu prometo pensar com carinho.

- Palhaço. - riu.

- Dois sorrisos? Se não é meu dia de sorte...

Benício pôs o copo vazio na mesa, bem ao lado de Vitória, e ali ficou. Com um pouco de dúvida, talvez até mesmo receio, ele a beijou nos lábios rapidamente e afastou-se, esperando uma reação - ou temendo uma. Ela o puxou de volta pela gravata e o beijou novamente. Era cedo, mas, por baixo do sabor do tabaco, Benício sentia um leve gosto de álcool na boca de Vitória, que logo desapareceu. Estava compenetrado na ideia de tomá-la nos braços e levá-la até o quarto, deixando-se levar pelo comportamento imprevisível dela que o intrigava, instigava e assustava de certa forma. Alguns segundos se passaram até que ele sentiu um par de mãos em seu peito e a ausência da boca dela na dele.

- O que foi? - Perguntou Benício, ofegante.

- É melhor pararmos.

- Eu discordo.

- Sofia irá trazer meu café daqui a pouco.

- Há algo errado?

- Como?

- Há algo errado contigo?

- Não. Por que haveria?

- Eu não sei. É só que... Eu não sei. - riu - Dois meses atrás as coisas pareciam bem, mas voltaste a me afastar.

- Apenas não quero transar, Benício.

- Apenas isso?

- Apenas isso.

- Então, por que eu sinto que há algo que não me contas?

- Eu não preciso justificar o fato de não querer ir para a cama contigo.

- Pare de agir como se eu demandasse qualquer satisfação tua porque sabes bem que, quando lhe pergunto sobre qualquer coisa que seja, é porque me preocupo contigo e não porque quero explicações.

- Não há nada para se preocupar, está bem? Eu estou bem, estamos bem. Se eu mudar de ideia, eu bato na tua porta e terminamos essa conversa.

- Mais ou menos um ano atrás, eu escutei-te por horas falar sobre tua vida e teus segredos. - Disse Benício, com a voz calma e carregada de uma tristeza sutil. - Sinto que mal arranhaste a superfice.

- O que esperas que eu diga?

- Nada, Vitória, nada. Eu não espero nada de ti há um bom tempo.

Alguns segundos de silêncio, o barulho de duas leves batidas na porta seguido do girar da maçaneta foi ouvido. Sofia carregava uma bandeja de prata com um bule e uma única xícara.

- Perdoem-me. - Disse a garota. - Vitória, o teu...

- Sim, deixe aqui em minha mesa. Benício?

- Sim?

- Aceitas?

- Não, obrigado.

- Posso trazer-lhe algo, senhor? - Perguntou Sofia ao colocar a bandeja na mesa.

- Sim. Café. Estarei em meu escritório.

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Castro e SouzaOnde as histórias ganham vida. Descobre agora