Marieta deixou que o luto se apoderasse dela. Duas semanas se passaram desde que ficara viúva e não haviam nela sinais de superação. Sentia-se profundamente deprimida e desolada, as forças que lhe restavam eram utilizadas para cuidar da filha menor que ainda tinha necessidade de seu seio. Seus vestidos coloridos foram guardados e, aos poucos, o negro invadiu seu guarda-roupa como nunca antes – sempre detestou roupas escuras. Os livros eram sua companhia a maior parte do dia. Recorreu aos romances que lera na adolescência após a morte dos pais, que tanto a confortaram naquele momento de angústia. Tentou reler Jane Eyre, mas acabou apenas lhe provocando uma raiva absurda que a fez arremessar o livro contra a parede ao perceber que seu inglês estava enferrujado ao ponto de sentenças inteiras lhe parecerem inteligíveis. Tinha a versão traduzida em casa, mas a frustração foi tanta que simplesmente se recusou. Lia apenas romances folhetinescos nacionais.
Também não queria ver o irmão. Detestava que ele a visse triste daquela forma. No fim das contas, ele sempre seria um menino que ela estava encarregada de proteger. Pediu gentilmente que ele a deixasse um pouco só para que pudesse refletir em seu luto. Benício a deixou, mas, por outro lado, sentia aquilo como se fosse uma acusação. Parecia que, de alguma forma, a intuição da irmã o condenava. De nada Marieta suspeitava – quem condenava Benício era a sua própria culpa.
– Nêta... – Benício entrou no quarto da irmã, que estava concentrada em seu livro, numa tarde após o almoço.
– Oi, mano. – Disse ela, sem desviar o olhar das páginas.
– Eu sei que não tem recebido visitas, mas...
– Tudo bem, querido, pode entrar.
Benício adentrou o quarto com o chapéu em mãos e um pouco de receio. Era duro ver a irmã adotar modos tão ásperos, tão atípicos dela.
– Só queria informar que não pude mais adiar a leitura do testamento. Será feita essa segunda-feira agora. Tentei explicar que ainda estava num luto muito severo e...
– Eu entendo, Benício. Obrigada por adiar até quando pôde.
– Mana?
– Sim?
– Sabes que pode contar comigo para absolutamente tudo, certo?
Marieta suspirou, desviando o olhar das páginas pela primeira vez desde que Benício adentrara o quarto. Até aquele momento, não havia se dado conta que, na tentativa de proteger o irmão, estava o afastando – e o machucando, consequentemente. Colocou o livro de lado, se levantou e foi em direção a Benício, dando-lhe um abraço apertado.
– Obrigada, maninho, por tudo.
– Não há de quê, Nêta. Estou sempre aqui para ti.
– Sabe, eu sou a mais velha. Eu que deveria cuidar de ti e não o contrário. – riu, seus olhos estavam levemente marejados.
– O que adianta ser mais velha se eu ainda sou mais alto? – riu.
Os dois sentaram-se no sofá do quarto, já sentindo que a atmosfera estava mais leve entre eles. Marieta sentiu-se estranhamente feliz por um momento.
– Como ficarão as coisas na companhia? – Perguntou Marieta.
– Bem, um substituto para o cargo de Lourenço será nomeado a partir de terça-feira.
– Tu?
– Provavelmente. – suspirou.
– Que bom.
– Lembre-se que é apenas o cargo, as ações são suas até que as crianças estejam crescidas.
– Ah, Níço, eu entendo absolutamente nada desse tipo de coisa! Sabes que irei deixar tudo nas tuas mãos, certo?
ESTÁ A LER
Castro e Souza
Historical FictionVENCEDOR #Wattys2018 Em 1925, dois membros da alta burguesia carioca - os belos herdeiros Vitória de Castro e Benício de Souza - tornam-se cúmplices de um crime quase perfeito, mas acabam colocando suas próprias reputações em jogo para ocultar seus...