Capítulo XVII - Recortes de jornal

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Benício se revirava na cama pensando na leitura do testamento de Lourenço no dia seguinte. Conhecendo a natureza desprezível do cunhado, não sabia o que esperar do documento. As horas iam passando e nada do sono vir. Estava quase se conformando em passar a noite em claro, quando escutou barulho de carro um pouco distante, seguido de umas batidas no vidro de sua janela.

– Vitória!? – Disse Benício ao afastar a cortina, cauteloso. – O que fazes aqui? – Continuou ele ao abrir a janela.

Vitória estava de calças. Entrou pela janela sem dificuldade alguma.

– Olá para ti também!

– É quase uma da manhã, mulher. Ficou maluca?

– Estás expulsando-me?

– Não...

– Que bom. – Vitória se virou e abaixou para alcançar algo através da janela, no chão da calçada. Era uma garrafa de cachaça. Os dois ficaram calados de forma engraçada.

– Vou pegar uns copos... – Disse Benício, revirando os olhos.

Benício saiu do quarto e foi até a cristaleira da sala buscar dois copos de pinga. Vitória ficou observando o quarto dele – parecia um quarto de menino. Uma coleção imensa de miniaturas de carros jazia sobre sua cama em três prateleiras. Uma mesa bonita abrigava um monte de peças, ferramentas e papeis com desenhos de automóveis, era ali que ele elaborava as customizações de seus carros de corrida. Ao lado da mesa, havia uma estante abrigando troféus e algumas manchetes de jornal, uma delas até mesmo se referindo a ele como o maior piloto do Estado do Rio de Janeiro. Nessa mesma estante, chamou a atenção de Vitória um amontoado de recortes de jornal com um pesinho de papel em cima, discretos, como se tivessem sido deixados ali por acidente. Ao remover o peso e tomar os papéis na mão, viu que o primeiro recorte tratava-se da foto que saiu dos dois no jornal – o exato momento em que ele escalou o camarote para beijá-la. A foto tinha ficado bonita, era bem escandalosa, o fotógrafo deve ter feito um bom dinheiro com ela, pensou, tanto que a foto do beijo dos dois no início da corrida nem chegou a sair nos jornais. Quando olhou o resto dos papéis, viu que todos se tratavam da mesma coisa: fotos dele, no uniforme da escuderia, ao lado de diferentes garotas – todas aparentando serem socialites.

Benício entrou no quarto e de cara percebeu o que Vitória tinha em mãos.

– Achei que não fosse uma garota por corrida. – Comentou Vitória, sorrindo maliciosamente.

– Eis a hora da minha morte.

– Muito cedo para piadas com morte, garoto.

– Tudo bem, desculpe. – riu – E, foi mal pelos...

– Ah, isso? – riu apontando para os recortes – Tudo bem, querido, aprendi da pior maneira a não confiar em pilotos anos atrás!

– Conheceu muitos, Doutora? – Perguntou Benício, sarcástico, enquanto servia a aguardente para os dois.

– Mais do que eu deveria. É sempre assim, primeiro eles te pedem um beijo de boa sorte e quando vê está em cima de um capô sem as ligas das meias que sumiram junto com o seu batom.

– Meu Deus. – riu e entregou um dos copos para ela.

– Obrigada.

– Por que vieste, Vitória?

– Não consigo dormir, Benício. Há duas semanas que não sei o que é dormir uma noite inteira. Perdoe-me por te importunar essas horas, mas... Com quem mais eu falaria?

Benício sentiu uma pontada no coração. Com certeza aquilo estava sendo pior para ela do que para ele e, nos últimos quinze dias, mal haviam se falado – não tinha parado para pensar diretamente nela até aquele momento.

Castro e SouzaOnde as histórias ganham vida. Descobre agora