Capítulo XX - Maldição de nossa classe

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Vitória e Benício estavam sentados no deque de madeira do antigo chalé de caça que o marido de Helena reformara para vender à Vitória. Ainda vestidos com as pesadas roupas de pilotagem, respiravam o ar frio da serra enquanto observavam as montanhas, cobertas pela Mata Atlântica, estenderem-se por seus campos de visão. No chão, junto a eles, havia uma toalha de piquenique forrada com alguns pães e bolos e uma garrafa de cachaça com mel que usavam para cortar a friagem.

– Gostaste de voar? – Perguntou Vitória enquanto colocava mais uma dose em seu copo.

– É incrível. – Respondeu Benício, exalando a fumaça do cigarro. – Preciso comprar um avião.

– Consigo um Trimotor destes para ti por um ótimo preço.

– Me ensinarás a pilotar também? – riu.

– É uma boa hora para lhe contar que não possuo licença?

Benício arregalou os olhos e eles riram. Vitória tomou o cigarro de sua mão e tragou.

– Eu adoro a cidade – Disse Vitória –, mas não sei o que seria de mim se não pudesse fugir para o meio do mato de vez em quando.

– O que mais me estressa na cidade são as pessoas. Em particular, as conhecidas.

– Como assim?

– Quando estás em uma cidade nova, onde nunca estivera antes e ninguém sabe quem és... É uma das melhores sensações do mundo.

– Acho que entendo o que queres dizer. – sorriu – Ser mais um na multidão. Ninguém se importando com o que fazes ou deixas de fazer... É muito bom.

– Eu adoro o Rio, mas como uma cidade tão grande pode ter tantas pessoas com a cabeça tão pequena.

– Acho que é a maldição de nossa classe. Não imagino que sejam essas a maioria das pessoas do Rio, mas sim a maioria das pessoas com quem andamos. Mesmo sendo engenheiro, ainda és um piloto mulherengo. Mesmo sendo cientista, ainda sou uma socialite escandalosa. Não importa o quão viajados e estudados somos, sempre estaremos presos a certas amarras sociais que nos impedem de viver a vida como os intelectuais libertinos que, na verdade, somos.

– Intelectuais libertinos. Bem profundo. – riu – Um pouco triste, às vezes. Mas preciso admitir que, dependendo das circunstâncias, é divertido chocar as pessoas.

– Percebi essa tua afeição pelo escândalo quando descobri que és o único Don Juan que não somente coleciona fotos de suas conquistas como conseguiu a proeza de ter fotos no jornal beijando todas elas. – riu.

– Em minha defesa. – riu – Tu eras a única que eu estava beijando.

– Na boca.

– Que seja. – revirou os olhos e riu.

– Não sei se posso lhe censurar. Creio que posso me considerar uma mulher muito bem vivida depois de todos estes anos. Mas, infelizmente, não me foi dado o privilégio de esbanjar por aí as minhas conquistas.

Os dois continuaram dividindo o cigarro em silêncio, escutando apenas o som dos passarinhos e o gostoso balançar das árvores.

– Conte-me algo sobre si mesmo. – Pediu Vitória, quebrando o silêncio.

– Como o quê?

– Algo que a maioria das pessoas não saiba. – sorriu.

– Eu... Eu não sei. – riu – Creio que um dos meus piores defeitos é não ser um homem misterioso. – suspirou – Bem, eu gosto de pintar. A maioria dos quadros na casa de minha irmã foram pintados por mim.

Castro e SouzaOnde as histórias ganham vida. Descobre agora