Eram quase dezesseis e trinta quando o caseiro de Helena abria os portões da propriedade para o Ford model T preto de Benício que chegava com Marieta. A viagem, que deveria durar duas horas, durou três devido à extrema cautela do piloto na estrada, preocupado com a irmã. Helena os recebeu em pé na varanda, com os três filhos enfileirados em sua frente e Vitória logo atrás.
– Marieta, minha cara!
– Helena, que saudade!
As duas abraçaram-se e Marieta ainda se abaixou para cumprimentar todos os filhos da amiga antes de ir falar com Vitória. Benício permanecia atrás dela, casual, já com o chapéu em mãos.
– Vitória, estás linda, como sempre! – Exclamou Marieta, de forma gentil.
– Obrigada, querida. Preciso dizer que também estás lindíssima!
– Enorme como estou, nem em sonho! – riu – Creio que se lembra de meu irmão, Benício.
– Lembro sim.
Vitória estendeu a mão, não para um beijo e sim para um aperto – Benício já esperava tal atitude de uma moça como ela.
– Como vai, senhorita?
– Muito bem, obrigada. Espero que tenham feito boa viagem.
Helena e Marieta trocavam olhares nada discretos durante a breve interação dos dois e ambos perceberam, mas decidiram não falar nada. Não havia motivo para serem rudes; embora fosse irritante a atitude das duas, havia nada além de boas intenções ali.
A dona da casa sugeriu que entrassem e os irmãos foram recebidos com um lanche da tarde completo – com bastante champanhe, obviamente.
– Tens muita coragem para pegar a estrada já com nove meses assim. – Comentou Vitória.
– Nem me diga! Mas meu pequeno está se comportando muito bem por enquanto. – riu.
– Posso? – Vitória pôs a taça na mesa e levou as mãos até a barriga de Marieta.
– Ele gosta de ti! – Disse Marieta, ao sentir o bebê chutar ao toque da amiga.
– Ou está me expulsando! – Brincou Vitória, fazendo todos rirem.
– Como está teu marido, Lena? – Perguntou Marieta.
– Bem. Está em Minas, volta sexta-feira.
– Voltarão para o Rio?
– Não, querida, creio que vamos nos instalar aqui permanentemente. Embora eu não recusaria um convite para passar uma temporada na casa de minha prima... – Respondeu Helena, em tom de indireta.
– Não te preocupes, Lena, já planejo muitas festas na Boa Vista para nós! Só preciso ir lá organizar as coisas de uma vez por todas.
– Espere, não estás morando na mansão? – Benício se introduziu pela primeira vez na conversa.
– Não, não. É muito grande. Planejo deixar aberta como uma espécie de museu enquanto não me mudo.
– "Enquanto", Vitto? Não sabia que planejavas morar lá. – Comentou Helena, com seu típico tom malicioso.
– Não planejo. – Pontuou Vitória, sabendo do rumo que a prima queria dar para a conversa. – Mas nunca se sabe. De qualquer forma, é a casa de meu pai. Morar sozinha lá seria tão absurdo quanto mantê-la fechada.
– Se é o que dizes... – Helena revirou os olhos e voltou-se para a taça.
A conversa amistosa rendeu até o fim da tarde. Benício não se surpreendeu ao notar que Vitória conservara-se bela como era, mas parecia um pouco contida, recatada – talvez o luto tivesse lhe roubado o brilho da personalidade. Vitória achava Benício muito simpático e educado, tinha modos agradáveis e parecia muito inteligente. Embora as boas impressões, não havia nada que acendesse qualquer tipo de atração não superficial entre eles.
Marieta recolheu-se relativamente cedo, assim como o irmão. Os dois pegariam a estrada novamente pela manhã. Helena e Vitória estavam acordadas, jogando cartas na antessala da suíte da dona da casa, fumando e bebendo, bem descontraídas, como faziam quase todas as noites. O jogo foi interrompido por um grito agudo vindo do fim do corredor.
– Chame um médico, por favor! – Gritou Benício, que segurava a irmã, apoiada no encosto do sofá do quarto.
– Deixe-me vê-la. – Pediu Vitória, já se aproximando. – Rosa, mande chamar o médico, por favor. – Ordenou Vitória à empregada, que assistia à cena aterrorizada. – Rápido!
– Venha, eu vou lhe pôr na cama. – Disse Benício, tentando erguer a irmã, que sangrava e perdia água.
– Não! – Interviu Vitória. – Leve-a para aquela parede ali!
– O quê? Parede? Estás louca, mulher? – Disse Benício.
– Calma, querida. – Vitória tentava acalmar Marieta. – Só leve, pelo amor De Deus!
– Ela precisa ir para a cama, está entrando em trabalho de parto!
– Faça o que ela está mandando, imbecil, ela é médica! – Gritou Helena.
Benício foi surpreendido pela informação. Tinha muitas perguntas e nenhum tempo para fazê-las. Acatou ao pedido da moça e levou a irmã até a parede, onde Vitória a posicionava com a coluna reta e os joelhos flexionados.
Helena, busque-me uma manta de algodão e uma tesoura esterilizada!
Helena saiu de prontidão para buscar os objetos, sendo ajudada pelos empregados eufóricos e preocupados.
– Marieta, querida, a dor cessou um pouco? – Perguntou Vitória, calmamente, apesar do nervosismo.
– Sim... – Respondeu Marieta, respirando com certa dificuldade.
– Respire comigo.
Benício mantinha-se agarrado ao braço direito da irmã, segurando-lhe a mão e prevenindo-a de cair, observando quieto Vitória lidar com a situação e tentando não transparecer seu nervosismo.
Helena chegou com a tesoura e a manta.
– Tudo bem, Marieta, pode empurrar. – Comunicou Vitória.
Marieta respirou fundo e se preparou para fazer força várias vezes, como fez em seu primeiro parto.
– Respire. Mais uma vez.
Novamente, ela empurrou.
– De novo? – Perguntou Marieta.
– Querida, seu bebê já nasceu. – Anunciou Vitória e um terno chorinho foi ouvido.
Levantou-se com o bebê nos braços, ensanguentado e enrolado na manta branca. A mãe quase desmoronou pela parede, mas o tio a segurara e a conduziu até a cama. Já deitada, Marieta recebeu em seus braços a pequena criatura que acabara de parir.
– Parabéns pela sua garotinha! – Anunciou Vitória.
Os sorrisos dos presentes – Benício, Helena e os empregados que espreitavam pela porta – foram inevitáveis.
– Foi tão rápido! Depois que me encostei na parede não senti quase nada. Muito obrigada, Vitória, ou melhor, Doutora Vitória! Muito obrigada!
– Foi uma honra, minha cara.
– Muito obrigado. – Disse Benício, ainda em choque, de certo modo, mas verdadeiramente grato.
Helena foi até a amiga parabenizá-la e conhecer sua nova afilhada. Não demorou muito para que um dos empregados anunciasse a chegada do médico.
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Castro e Souza
Historical FictionVENCEDOR #Wattys2018 Em 1925, dois membros da alta burguesia carioca - os belos herdeiros Vitória de Castro e Benício de Souza - tornam-se cúmplices de um crime quase perfeito, mas acabam colocando suas próprias reputações em jogo para ocultar seus...