Capítulo XLV - Cerimônia

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Vitória pegou seu carro e dirigiu até o British Burial Ground, o Cemitério dos Ingleses. Eliza, sua mãe, e Isabel, sua irmã caçula, foram enterradas lá há dezesseis anos. Quando seu pai falecera, há oito meses, seu tio contatou a Embaixada Britânica e pediu para que permitissem que Constantin fosse enterrado ao lado da esposa e da filha, embora não tivesse a nacionalidade, já que o local só permite que sejam enterrados ali cidadãos britânicos. Pelo fato de que Eliza nascera na Inglaterra – filha do antigo embaixador brasileiro em Londres, o Marquês de Araucária, e uma inglesa – e pelas contribuições de sua filha mais velha ao auxiliar o Exército Britânico como enfermeira durante a Grande Guerra, foi concedida a ele a permissão de ser enterrado lá.

O cheiro de mangas misturado com a brisa do mar imediatamente invadiu o olfato de Vitória. O dia estava fresco e o local silencioso. Ela passara pelo War Grave e leu algumas lápides. Não reconhecendo o nome de soldado algum, continuou andando, evitando pensar naquilo. Chegou, por fim, às lápides de sua família. A última vez que havia colocado os pés naquele local foi em 1909.

– Mãe. Pai. Isabel. – Disse Vitória, com um sorriso, sentando-se na grama em frente às lápides. – Desculpem-me por não ter vos vistado antes. Minha vida tornou-se um tanto complicada desde que cheguei no Rio. – pausou – Pai, desculpe-me por não ter chegado a tempo para o enterro. Sei que não faz muita diferença, você e mamãe morreram dois ateus teimosos. – riu – E eu fui pelo mesmo caminho, mas talvez guarde um pouquinho de fé para momentos como este. Sinto saudades. Muitas. Bem, eu vim aqui para contar-lhes que... – suspirou – Eu irei me casar. Inacreditável, eu sei. Ou não, não é, papai? – riu – Meu noivo... Ele é ótimo. Muito inteligente, educado... – revirou os olhos – Bonito também. – riu – Mamãe estaria orgulhosa. E brasileiro. Surpreendentemente brasileiro. Carioca, inclusive. Papai o conhecera brevemente em uma das corridas dele, segundo o que ele mesmo me disse. Ah, pai, queria tanto que estivesses aqui para me impedir de cometer mais uma loucura. Poderia ser pior, eu sei. Depois de tudo o que fiz esse ano, deveria sentir-me grata por andar no corredor da igreja e não da morte. E ele certamente é um partido melhor que os anteriores, acredito. Não sei se o amo. É provável que não, eu não sei. É algo triste de se dizer no dia de seu casamento. Também não creio que ele me ame. Mas ele me respeita. Tendo que escolher entre um e outro, eu fico a segunda opção sem hesitar. Talvez possamos ser felizes, no final das contas. Os últimos meses foram complicados, muito complicados, já disse isso? – riu – Obrigada, papai, por ter me perdoado. E desculpe-me por ter estragado tudo na mesma proporção. – riu – Queria que estivessem aqui. Queria que brigassem comigo pessoalmente. Queria voltar a ser uma garotinha e deixar que papai e mamãe tomassem as rédeas da minha vida. Sinto que preciso de vocês mais do que nunca...

Helena andava por entre as lápides a procura da prima quando se deparou com a figura de Vitória sentada em frente aos túmulos de seus tios. Ao invés de chamá-la, deixou que ela continuasse ali mais um tempo e retornou para o seu carro. Cerca de dez minutos se passaram quando Vitória cruzou os portões do cemitério.

– Vitto... – Disse Helena, jogando uma ponta de cigarro fora, indo em direção à prima.

– Lena? O que fazes aqui?

– É meio preocupante a noiva sumir sem deixar rastros no dia do casamento, principalmente quando a noiva em questão és tu. – riu.

– Ah, claro. – riu.

– Imaginei logo que estivesses aqui. Não contei para ninguém, não te preocupes. Disse apenas que sabia onde estavas e que vinha buscar-lhe.

Vitória abraçou a prima com força. Necessitava de um abraço. Alguém de carne e osso, senciente e cujo coração podia bater colado ao seu.

Castro e SouzaOnde as histórias ganham vida. Descobre agora