Capítulo IV - Uma moça que pilota aviões

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Benício passeava com a irmã, Marieta, nos jardins da residência de verão da família em Teresópolis, em um fim de tarde agradável e tranquilo. Embora pertença a ele, o mesmo pouco frequenta o lugar e permite que a irmã se instale quando quiser, já que ela gostava de lá bem mais que o próprio. Não era um edifício majestoso, mas tinha um quintal grande que foi agraciado com um jardim que Marieta passara anos projetando e construindo.

– Queria tanto ficar aqui mais tempo... – Divagou Marieta, enquanto observava a extensão do quintal de sua varanda.

– Deverias ficar aqui mais tempo, Nêta. Lourenço está louco em lhe mandar para a estrada com esta barriga enorme.

– Eu não deveria ter vindo mês passado. Agora, o bebê está a ponto de nascer e Lourenço não quer que eu o tenha aqui.

– É melhor que fiques, entendo-me com Lourenço depois. – Insistiu Benício.

– Obrigada, mano. Mas faremos boa viagem, tenho certeza. Meu pequeno esperará chegarmos no Rio.

– Assim espero...

Benício se deu por vencido após Marieta se mostrar irredutível. Tinha grande carinho e preocupação pela irmã, mesmo sendo três anos mais novo. Sentia-se na obrigação de cuidar dela apesar de, supostamente, ela estar sob os cuidados de outro homem desde que se casou. Quando os pais morreram em 1908, Marieta assumira a responsabilidade total pelo irmão caçula e não lhe faltou em nenhum momento, mesmo sendo tão jovem. Casou-se aos dezenove anos justamente por ter medo que o irmão crescesse sem uma figura paterna, embora a figura que escolhera estivesse longe dos encantos de Benício, que jamais se deu bem com o cunhado.

Entraram na sala e sentaram-se no sofá, enquanto a empregada trazia uma bandeja com café.

– Obrigada por passar as últimas semanas aqui comigo, Níço. Achei que fosse explodir contigo longe. – Disse Marieta.

– Não há de quê, mana. Tudo por ti.

– Não consigo sossegar um minuto se quer quando sei que estás pilotando naquelas estradas esburacadas, em direção àqueles penhascos... Deus me livre!

– Fique tranquila, sou muito responsável quanto a isso. – sorriu.

– Sempre gostou de perigo, garoto. Lembro-me de quando lhe encontrava escalando o telhado ou então pendurando-se nos parapeitos do segundo andar. Quase me provocava um infarto!

Os dois riram ao recordarem das travessuras que Benício aprontava na infância e ele pegou na mão da irmã. Achava adorável quando via que ela se preocupava com ele – talvez por isso mesmo fazia tanta besteira quando era pequeno, gostava quando ela lhe apontava o dedo e demonstrava sua preocupação.

– Mas, então... Durante a viagem, faremos uma parada em Petrópolis. – Comentou Marieta.

– Sim, na casa de Helena. – Benício notou que a irmã lhe olhava com uma cara engraçada. – O que tem?

– Não, nada! É que Helena possui uma hóspede em casa.

– Ah, sim. Sem problemas, Nêta, podemos parar em um hotel e prosseguir a viagem em...

– Não, não! Não é isso, a casa de Helena é grande. Mas eu acho que gostarias de conhecer a hóspede dela.

Marieta era uma péssima mentirosa e era igualmente péssima em tentar disfarçar quando estava tramando algo.

– E quem seria a tal hóspede, Marieta? – Perguntou Benício, revirando os olhos, sabendo do que se tratava.

– Uma amiga nossa. – sorriu. – Vitória de Castro, creio que se lembra dela.

– Sim, eu me lembro. Parece que todo mundo faz questão de que eu não me esqueça. – Ironizou Benício, lembrando-se da conversa que tivera no Clube com Henrico, semanas atrás.

– Creio que gostarás muitíssimo dela, mano. É uma moça excepcional.

– Sim, eu imagino, Nêta. Mas, pelo amor De Deus, pare de tentar arrumar-me casamento com toda moça que aparece!

– Não quero ser desagradável, mas creio que já está na hora de se casar, sim!

– Pode, então, por favor, deixar que eu cuido disto? Detesto quando tenta me arranjar.

– Rompeste o namoro com Celina por telefone, Benício! Claramente precisas de minha intervenção.

Benício fez uma careta para a irmã antes de prosseguir:

– E mais, Vitória não me parece uma moça que está procurando casamento. A última vez que a vi soube que ela pilotava aviões. Uma moça que pilota aviões lá quer casar, Marieta?

– Não sei como uma coisa interfere na outra, meu bem.

– De qualquer forma, duvido muito que ela queira casar-se mais do que eu mesmo quero.

– Ótimo, já possuem algo em comum!

– Inacreditável, Marieta.

Benício detestava todas as tentativas da irmã de lhe arrumar casamento nos últimos anos. Mas, de fato, estava curioso para encontrar Vitória novamente. Assim como Marieta disse, se tratava de uma moça excepcional. Toda sorte de rumores corria no Rio de Janeiro e proximidades desde a chegada da herdeira de Constantin. Sua história assimilava-se à de pouquíssimas outras contemporâneas suas: foi para Portugal ainda muito jovem morar com a tia após a morte da mãe, para que pudesse estudar. De lá, partiu para a universidade, escolhendo o ensino superior a um casamento. Foi enfermeira do Exército Britânico durante a Grande Guerra, tendo nacionalidade inglesa por conta da mãe, filha de um embaixador brasileiro em Londres. Especulavam muito sua idade, ninguém sabia ao certo se já havia completado trinta anos. Ela, que vinha para sua terra natal com certa raridade, deixava que especulassem o quanto quisessem. Mas, agora que se instalara, como será que faria para manter seu estilo de vida escandaloso e atípico?

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Castro e SouzaOnde as histórias ganham vida. Descobre agora