Capítulo LXXVIII - Chá

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Já passava das nove quando Vitória despertou sozinha na cama. Duas caixas cor-de-rosa estavam empilhadas na cadeira em frente a cama, contendo seu conjunto Chanel azul marinho, meias, roupa de baixo, um par de sapatos e um lenço de cabelo. Benício havia ligado para a casa dela algumas horas antes, quando acordou, e um de seus empregados veio trazer suas roupas. Vitória vestiu-se e deixou o quarto. Benício estava na cozinha tomando café. Ela cumprimentou a empregada que os servia, a quem ela pouco conhecia pois fugia pela janela antes mesmo de que ela chegasse quando frequentava aquele apartamento. Comeram em silêncio. Vitória parecia pensativa, encarando sem piscar o bule de café na mesa por longos momentos enquanto levava a xícara à boca de forma quase que automática. Ou então estava apenas com sono. Benício disse que a deixaria em casa antes de ir para a oficina e ela apenas concordou, agradecendo com um sorriso curto que parecia demandar dela grande esforço.

- Está entregue. - Disse Benício, estacionando o carro na frente da casa de Vitória.

- Obrigada.

- Não foi nada.

- Claro que foi.

- É, roubaste uma noite de sono de um homem com problemas para dormir, com certeza irás para o inferno por isso. - Respondeu Benício, sarcástico.

- Às vezes, acho que roubei de ti mais que uma noite de sono. - Disse Vitória, em um tom baixo e triste, enquanto encarava o retrovisor.

Benício não entendeu bem o que ela queria dizer, mas era visível que ela se sentia culpada - por mais coisas que ele próprio podia listar. Mais uma vez, sugiu nele aquela vontade de tomá-la em seu peito e dizer nada nem ninguém poderia lhe fazer mal.

- O que tinha no envelope? - Perguntou Benício.

- O quê? - Disse Vitória, desatenta.

- O envelope que Laurentino entregou-me. O que tinha nele exatamente?

- Um par de fotos e alguns artigos de jornal.

- Não há nada que possa vincular-te aos crimes do General, certo?

- Não. O que Laurentino tinha naquele envelope é o que qualquer um que fizer uma viagem a Madri pode encontrar. Fotos de eventos que saíram em jornais antigos e matérias que nos listava como convidados dos mesmos eventos.

- Tem certeza?

- Meu pai garantiu que correspondências e fotos pessoais sumissem. Se o governo espanhol tivesse qualquer interesse em mim eu nunca teria saído da Europa.

- Bem... - suspirou - Que bom, eu acho.

Benício, olhando para frente e distraído, sentiu um rápido beijo em sua bochecha.

- Obrigada. E não se atreva. - Disse Vitória ao ver que Benício havia colocado a mão na trava da porta com o intuito de descer do carro e abrir a porta dela.

Não houve um dia se quer em que Benício pensou tanto em Vitória como aquele. Talvez apenas o seguinte. E o próximo depois daquele. Suas ocupações diárias não eram nem de longe suficientes para tirar sua mente dela. A vontade de telefonar era grande, a de visitá-la maior ainda e ele resistiu fortemente a ambas. Sabia bem que era o momento de deixá-la sozinha. Era difícil não contar para sua irmã, não ter uma boa explicação para sua distração frequente e para a maneira que deixava transparecer que havia algo errado com ele. Estava ciente da vergonha que Vitória sentia e sabia o quão desesperada ela estava para ter revelado a ele um dos pedaços da própria vida em que ela gostaria de apagar. Conhecia Vitória suficientemente bem para saber que o próximo passo dela poderia ser sair do país sem dar satisfações ou aparecer na sala dele como se nada tivesse acontecido.

E ela apareceu no sofá dele. Quatro dias depois, no meio da tarde em um vestido bonito. Ela conversava amigavelmente com a arrumadeira quando ele entrou em casa. Vitória parecia mais consigo mesma, a angústia não lhe caía bem. Ela pôs a xícara de chá que bebia de volta na bandeja e levantou-se quando ele entrou.

- Boa tarde, Seu Benício. - Disse a arrumadeira que tirava o pó da estante.

- Boa tarde, Dona Inácia.

- Eu decidi não vir no meio da noite hoje. - Disse Vitória. Benício riu.

- Como vai, Doutora?

- Melhor que ontem. E anteontem...

- É bom saber disso. - sorriu.

- Desculpe não ter ligado. Eu precisava de...

- Eu sei, não se preocupe. Eu mesmo teria ligado se não soubesse disso.

Benício contornou o sofá e sentou-se nele, ao lado de onde Vitória estava sentada, e pôs uma xícara de chá para si. Vitória sentou novamente.

- Eu estava pensando em Novembro. - Disse ela.

- Novembro?

- Sim, a viagem.

- Ah, sim.

- Eu quero muito ir.

- Sentindo falta de ser estrangeira? - riu.

- Bastante.

- Vamos planejar, então. Será muito bom.

- E mais uma coisa...

Por um segundo, Benício pensou em duas possibilidades para a razão pela qual Vitória estava sentada no sofá dele tomando chá em um vestido de tarde. Uma delas era a que ele queria, uma confissão de amor, uma declaração. Ou apenas um "Eu te amo.", que soaria mais como ela. Seu coração chegou a bater mais forte com a hipótese. Mas então havia a possibilidade numero dois, que era apenas ela querendo que ele voltasse para casa. Seu coração diria sim imediatamente, mas a cabeça, aquela que sabe o que é melhor para o coração, diria que não. Ele jamais voltaria a viver com ela sem que ela o correspondesse e aquilo era final. A ideia da viagem era apenas possível porque ele sabia que, uma vez longe do Rio, as coisas poderiam mudar da água para o vinho, seria a última tentativa de reconquistá-la. Mas viver diariamente sob o mesmo teto que ela em quartos separados era uma vida na qual ele não estava disposto a levar novamente. Porém todos os pensamentos que se emaranharam em sua cabeça sumiram no momento em que ela terminou o que ia dizer:

- Gostarias de jantar na casa dos meus tios amanhã?

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Castro e SouzaOnde as histórias ganham vida. Descobre agora