Capítulo LIX - Deixe-me em paz

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Voltando para casa após a ceia, Benício tentava em vão decifrar os pensamentos de Vitória. Ela parecia feliz e de bom humor, o que era estranho e ao mesmo tempo normal. Ela parecia não se importar com o fato dele ter passado tanto tempo fora, e o incidente na casa de Helena parecia ter sido há mil anos. Ela estava sendo amável e passiva como se não houvesse nada de errado, com a guarda baixada e aparentemente feliz com a presença dele. Era a hora.

- Venha cá. - Disse Benício, estendendo a mão quando Vitória estava prestes a subir as escadas.

- Aonde?

- Na biblioteca.

- Por quê? - Perguntou ela, indo com ele.

- Teus outros presentes. - riu.

Vitória entrou na biblioteca e sua poltrona de leitura estava repleta de caixas e embrulhos. Mais que quatro, com certeza.

- Ah, Meu Deus. - Disse ela, indo em direção aos presentes.

- Espero que gostes.

- Não precisavas...

- Eu sei. - riu - Mas eu quis.

Havia uma caixa grande e retangular no centro da poltrona com um enorme laçarote azul em cima. Era o maior dos pacotes, Vitória foi imediatamente em direção a ele. Ela abriu a caixa e subiu pelas alças um vestido prateado feito de um material brilhante.

- Há uma modista espanhola muito famosa em Montevideu. - Disse Benício. - Eu não tinha as tuas medidas exatas, mas acho que ela acertou. Gostas?

- Sim. - Respondeu Vitória, fascinada pelo vestido. - É lindo.

- Pedi que fizessem do jeito que gostas. Brilhante, largo, leve e com menos tecido que deveria ter...

- Engraçadinho. - riu.

- Bem, as outras coisas não são tão interessantes. Para ser sincero, eu nem mesmo comprei a maioria delas, apenas queria impressionar-te.

- Nem o bracelete?

- Não, o bracelete eu escolhi mesmo - riu - Mas o vestido vem acompanhado de um pedido.

- Um pedido?

- Tens planos para o Ano Novo?

- Não exatamente...

- Gostarias de ir comigo na festa do Copacabana Palace? Podemos beber, dançar... E assistir a queima de fogos do terraço depois. O que pensas?

- Bem, eu... - riu - Benício, o que é tudo isso? Um vestido. Uma pulseira de diamantes. Quinze caixas de presentes... O que está havendo?

- Bem... - suspirou - Eu queria desculpar-me. Por aquele dia na casa da tua prima e por... Bem, todas as vezes que fui um idiota ou algo assim.

- Então, isso tudo é um pedido de desculpas?

- Não. É muito simples pedir desculpas. - riu - Eu queria que me perdoasses porque... Eu quero uma segunda chance.

- O quê?

- Eu te amo, Vitória. Apesar de tudo, ou, por causa de tudo, eu te amo. E eu cansei de viver em pé de guerra contigo. Essas últimas semanas que passei no Uruguai me fizeram perceber que eu sentia a tua falta mais do que qualquer coisa.

- Ah, sim... - Murmurou Vitória enquanto colocava o vestido de volta na caixa.

- O que foi?

- Disseste que farias uma viagem de dez dias para o Uruguai. Passas quase um mês fora e retornas com o meu peso em presentes e uma espécie de epifania? Tudo bem...

- Não acreditas em mim? - riu.

- Está bem. - riu - Deixe-me visualizar o ocorrido. Estavas bêbado, jogando, dançando com meia dúzia de melindrosas e celebrando tua vitória pela vigésima noite seguida e quando estavas prestes a traçar uma linda uruguaia repentinamente lembraste da tua pobre esposa no Brasil decorando a casa para o Natal.

- O quê?

- Ou foi depois? Não sei se sou sortuda o suficiente para que teu lampejo tenha sido antes de ter dormido com alguém.

- Vitória, eu...

- Encontraste tua ex por lá?

- O quê?

- A garota, a corredora uruguaia de quem estivera noivo anos atrás.

- Como sabes...

- Tua irmã contou-me. Ela estava muito preocupada pois da última vez que fostes para o Uruguai passaste um ano por lá quase que sem dar notícias.

- Sabias que eu estive noivo antes assim como sei que também estiveras. Eu não sei muito da tua história também e, sinceramente, nunca fiz questão. Se queres saber mais sobre a minha vida, basta perguntar. Eu não estou escondendo nada! E estou sendo honesto, Vitória. És minha mulher e eu te amo.

- E eu não me importo! A última coisa que preciso é ser amada por obrigação. Ou culpa. Ou os dois.

- Eu pareço alguém que faz qualquer coisa por obrigação?

- E eu pareço uma garota de dezenove anos que acredita que amor são joias e palavras bonitas?

- Por um momento, pensei que estava tudo bem entre nós.

- Está tudo ótimo. Nosso casamento é uma farsa, mantê-lo-emos assim.

- Não é uma farsa para mim. Por que não acreditas quando digo que...

- Não tente fingir ser o marido apaixonado casado com a megera porque combina até demais contigo! Eu não estou nem um pouco a fim de vê-lo transformado no santo padroeiro dos homens infelizes acorrentados a esposas ruins enquanto sou crucificada em nome da tua pena. Encontre uma amante para mimar, tenha discrição e deixe-me em paz!

Benício deixou a biblioteca em passos apressados em marchou em direção ao seu quarto sem olhar para trás. Parecia inacreditável que Vitória, a mesma Vitória que lhe dera um livro recém lançado do outro lado do oceano apenas porque gostava, pudesse ser tão cruel. Por que ela não acreditava? Durante dias ele visualizava variados cenários sobre o que poderia acontecer quando ele finalmente dissesse que a amava e alguns deles ela não o correspondia, mas em nenhum deles ela não acreditava. Em nenhum deles ela fazia tanta questão de lhe partir o coração daquela forma. Após tirar a gravata e a jaqueta do paletó, jogou-se na cama com a cabeça latejando metafórica e literalmente. Pensou em sair de casa, mas não fazia ideia de para onde ir ou o que fazer, além de se sentir exausto. "A casa é tua também", Vitória havia dito há algumas horas. Mas ele nunca se sentiu em casa, de fato. E, agora, mais ainda, aquele sentimento de não-pertencimento assolava-o. Estava quase adormecendo quando escutou batidas na porta.

Ao abrir a porta, deparou-se com Vitória. Séria, com a boca avermelhada de batom recém tirado e vestindo apenas corselete e sutiã, um conjunto antigo de seda acetinada em tom de pêssego que ele já havia visto umas duas ou três vezes. Ele riu – lembrou-se de quando os dois saiam juntos após algum jantar de família ou encontro de trabalho e ela tirava o corselete no carro já que as boates não permitiam que moças entrassem usando eles. Ela puxou-o pelo colarinho e o beijou; por um segundo, ele não se importou. Ao virar o rosto, ele afastou-se levemente, incerto do que estava pensando. Ela tentou beijá-lo de novo, dessa vez recebendo uma negativa mais segura.

- Saia daqui. – Disse Benício.

Vitória sorriu e levou as mãos novamente ao colarinho dele, mas foi recebida com as mãos dele agarrando seus pulsos e afastando-a. Ela o olhou por cima dos olhos brevemente com ar desafiador e ardiloso, alcançando seu cinto. Foi surpreendida ao ter seu braço agarrado enquanto Benício a conduzia de maneira bruta para fora do quarto. Intricada, ela olhou para ele – que tinha o semblante colérico e os olhos marejados – apenas alguns segundos antes da porta ser batida com força.

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Castro e SouzaOnde as histórias ganham vida. Descobre agora