Capítulo XXXIV - Tiraram-me tu

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Fofocas funcionam de uma maneira interessante. Basta que apareça uma desgraça maior para que as pessoas esqueçam da fofoca anterior. Rumores podem ser alimentados e não é difícil sustentar seu nome na boca do povo: é só continuar colocando lenha nas muitas fogueiras que acendem em salões de beleza, clubes, jantares e bares. A melhor maneira de passar por um escândalo sem maiores danos é simplesmente sumir – eventualmente, um pobre coitado qualquer irá assumir seu lugar como a pária da vez. O grande problema é que, por mais que se apague o fogo, algumas fagulhas sempre sobrevivem.

Benício retornava de seu exílio discretamente. As pessoas no trabalho já comentavam seu retorno, mas haviam fofocas mais interessantes para se concentrarem. Pretendia manter a cabeça baixa e a discrição o máximo o possível, mas ficou satisfeito ao ver que seu caso não tivera a repercussão que pensou que teria. Chegou de Teresópolis e, no mesmo dia, foi direto para a empresa resolver o que precisava para mais tarde almoçar com sua irmã.

– Bom dia, Seu Benício. – Diziam os funcionários ao vê-lo passar pelo corredor. Como sempre, cumprimentava todos com simpatia.

Ao chegar em sua sala, viu uma moça morena de cabelos curtos abaixada, mexendo na gaveta de arquivos que tinha ali.

– Bom dia, querida, por acaso és funcionária nova? Eu gostaria de... – a garota levantou-se com uma pasta nas mãos – Marieta!?

– Benício, que bom que voltaste! – Respondeu Marieta, sorrindo.

– O que... O que fazes aqui? Cortaste o cabelo?

– Disseste-me para ficar de olho nas coisas enquanto estivesses fora. Foi o que fiz. Gostou do cabelo? – sorriu.

– Sim, eu... Eu pensei em emergências ou problemas e...

– Por acaso tratas tuas funcionárias por "querida"!?

– Bem, eu...

– Não faça isso.

– Jesus. – arregalou os olhos – Tudo bem, Nêta, muito obrigado pela ajuda e por manter as coisas em ordem enquanto eu estive fora, mas...

Enquanto Benício falava, Marieta foi até ele e deu-lhe um abraço apertado, que ele retribuiu com um sorriso no rosto.

– Senti tua falta. – Disse Marieta.

– Eu também, mana.

– Tudo bem... – separou o abraço – Benício?

– Sim?

– Quero assumir o cargo de Lourenço.

– O quê!? – riu.

– Estou falando sério.

– Nêta, isto não é simples assim, é...

– Antes que comece a ser educadamente condescendente, escute-me. Sei que detestas ficar enfurnado em um escritório. Teu lugar é no terceiro andar com o maquinário. Eu, por outro lado, acabei por simpatizar muito com as atas. – sorriu – É bem mais simples do que pensei.

– Nêta, sem querer ser rude, mas tu nunca trabalhaste. Não possui experiência nenhuma...

– Posso aprender! Não sou tão ignorante assim, Benício. Estou um pouco enferrujada e ainda preciso me entender com certos termos, mas sei que dou conta.

– Por quê?

– Por que o quê?

– Por que queres trabalhar. Assim, do nada?

– Estou cansada das minhas plantas. Não sei bordar direito. Tenho babá, cozinheira, lavadeira, faxineira e passadeira. Sou a mulher mais desocupada deste país.

Castro e SouzaOnde as histórias ganham vida. Descobre agora