Capítulo XIX - Uma boa mãe

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O dia em Petrópolis estava ensolarado, mas muito gelado – como sempre. O charmoso casarão branco de Helena recebia a gostosa luz do sol em sua sala de visitas naquelas horas, onde ela e Marieta tomavam café e conversavam, matando as saudades que tinham uma da outra, já que não se viam desde o penoso dia do enterro de Lourenço.

– Preciso confessar que não tenho sido a melhor das companhias ultimamente... – Comentou Marieta, suspirando.

– Tua companhia é sempre uma das minhas favoritas, amiga. É muito bom ver-te e saber que estás passando bem.

– "Bem" é muito relativo, Lena. Tudo ainda é tão amargo. A viuvez certamente não tem sido fácil.

– Eu imagino, querida. – Disse Helena, de maneira cândida – Por quanto tempo pretendes continuar vestindo preto?

– Eu não sei. – suspirou – Daqui uns dias fará um mês de que ele se foi, acho que já seria apropriado parar, mas... Não sei, não sei mesmo. Não sinto vontade de usar outra cor, para ser sincera.

– Respeite o teu próprio tempo, minha cara. Tudo passa. – Concluiu Helena, preferindo evitar o assunto. – E as crianças, como estão?

– Bem, eles são pequenos demais para entender. João constantemente pergunta pelo pai e eu não sei como reagir. Eu tenho sido a pior das mães.

Helena percebeu que a amiga estava desesperada por falar sobre isso. Havia uma dor muito grande escondida na suavidade como Marieta falava. Seus modos tão tímidos e um pouco passivos geralmente faziam com que ela guardasse o mundo para si ao invés de desabafar. Mas sua amiga a conhecia bem demais para saber quando era preciso deixar que ela falasse e confortá-la na medida do possível.

– Não diga uma coisa dessas, Marieta. – segurou o antebraço da amiga – Por que pensas assim?

– Meu leite começou a secar, precisei pagar a filha de uma das minhas empregadas que teve um bebê recentemente para amamentar minha filha. – Começou Marieta, em um tom triste, mas não choroso. – E o João... Deus, como o negligencio. Às vezes ele vem correndo para mim, brincando, e eu nem hesito em chamar a babá para levá-lo para longe. Tenho aversão à presença dos meus próprios filhos, não consigo mais cuidar deles.

Marieta soava lamentosa e cansada, tão triste que parecia que a qualquer momento iria desabar, mas tão cansada que não dava indícios de que se quer tinha forças para chorar. Helena tocou o rosto da amiga com as costas das mãos e alisou sua face.

– Querida, ficará tudo bem, eu garanto. Sei que não tem sido fácil, mas irá melhorar.

– Me senti muito culpada em deixá-los sozinhos no Rio, mas precisava vir ter contigo. Precisava respirar fora daquela casa. Precisava ver-te mais que tudo.

– E fizeste muito bem. É apenas um fim de semana, Nêta. Eles ficarão bem.

– Sou tudo que lhes resta e, mesmo assim, não consigo cuidar deles. Sei que nunca fui uma boa esposa, mas, pelo menos, era uma boa mãe. Agora não sou nenhum dos dois.

– Ah, minha cara, não diga uma bobagem dessas! Sempre fostes uma ótima esposa, Lourenço tinha muita sorte de tê-la. E é claro que és uma boa mãe! Nunca questione isso.

– Eu vim para tua casa para ficar longe das crianças, pois não aguentava mais vê-las, Helena. Diga-me, como, exatamente, isso é ser uma boa mãe?

– És mulher, Marieta. És um ser humano com emoções e sentimentos. Tens todo o direito de ter momentos ruins e querer respirar um pouco com as crianças fora da tua asa. Sempre viajo sem as crianças quando preciso e não acredito que isso faça de mim uma mãe ruim.

Castro e SouzaOnde as histórias ganham vida. Descobre agora