Capítulo LXXIII - Tens planos para novembro?

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O jantar foi servido pouco depois das sete na casa de Helena. Estava frio, mas para que as mulheres tivessem o prazer de usar os ombros de fora em seus vestidos noturnos, quase todas as lareiras da casa foram acesas. Quando terminaram de comer, um dos empregados avisou que fogos de artifício podiam ser vistos do terraço; era o casamento da filha do prefeito e, do palacete onde a festa acontecia - a pouco menos de um quilômetro de onde estavam -, um espetáculo pirotécnico iluminava e coloria o céu que já contava com o brilho das estrelas e da lua cheia. Os membros da família subiram animadamente para o terraço para assistirem.

Discretamente, Vitória afastou-se do grupo e foi para o salão principal ficar sozinha. Sentou-se no belíssimo piano de cauda da prima com vontade de tocar, mas hesitante. Tirou as compridas luvas de seda e deixou os dedos percorrerem as teclas, tocando a única música que era incapaz de esquecer uma nota se quer - Lua Branca, a música preferida de seu pai. Não tocava com a mesma destreza de antes, mas o arranjo estava entalhado a fogo em sua memória. Era um pouco obscura a razão pela qual ela sentia aquela súbita necessidade de mutilar-se com a saudade, mas a melancolia não lhe apertava o peito ou exprimia-lhe as lágrimas, apenas lhe causava um arrepio suave. Era a sensação mais próxima de um abraço do pai que ela sentiria pelo resto da vida. Se carecesse de ceticismo, poderia jurar que ele estava ali, observando-a tocar com as mãos em seus ombros. Terminou a curta canção e tentou sair daquele estado de contemplação, mas apenas permaneceu sentada na banqueta do piano encarando as cortinas do outro lado da sala sem saber o que fazer.

- Assumi que não estarias interessada em fogos de artifício. - Disse uma conhecida voz vinda do portal do salão de maneira suave a ponto de não a assustar.

- Benício? - Disse Vitória, virando-se.

Benício foi até ela e pôs um copo de bebida no armário do piano. Ela percebeu que ele tinha outro em mãos.

- Obrigada. - Agradeceu Vitória. - Não precisavas.

- Era a música do teu aniversário. - Disse Benício, sentando-se no sofá ao lado do piano.

- O quê?

- Que estavas a tocar. Era a música das bailarinas.

- Ah, sim. - riu - É mesmo.

Os dois ficaram em silêncio. Vitória deu um gole no copo que Benício trouxera e, pelo cheiro, identificou o líquido como gim.

- O barulho dos fogos não me incomoda. - Disse Vitória, cortando o silêncio. - Eu sei bem a diferença. - sorriu.

- Mesmo?

- Os fogos foram o que eu ouvi quando a guerra acabou. É reconfortante, até. - riu.

- Então, por que estás aqui? Tédio?

- Confusão, eu diria. Preciso de um cigarro, tens um?

Benício abriu a jaqueta do smoking e tirou de lá um maço de Lucky Strike e um isqueiro. Estendeu o braço até Vitória e ela levou um dos cigarros à boca, que ele acendeu logo em seguida.

- Eu me sinto mortalmente entediado recentemente, para ser sincero. - Comentou Benício com um cigarro prestes a ser aceso na boca. - Sinto falta de correr.

- Já estás bem o suficiente para voltar, creio eu.

- É, eu estava pensando em ir para o Sul disputar um Quilômetro Lançado, mas... Eu não sei.

- Por que não?

- Quero ver paisagens novas, cruzar linhas de chegadas diferentes.

- Algum lugar em mente?

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