Capítulo LXXV - Choro

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Dias e semanas se passaram sem que Benício tivesse notícias de Vitória. A mente dele estava voltada para as pequenas expectativas diárias, horárias de que ele ouviria o telefone tocar, um bilhete chegar ou ela simplesmente aparecer em sua frente. Sempre sabia como ela passava; Dona Ivete era amiga das moças que faziam faxina em sua casa. A vida dela parecia a mesma: acordava cedo, ia para o Museu, para a Importadora ou para o Recôncavo, chegava em casa tarde e ia dormir. Quando estava em casa, geralmente estava bebendo, gritando no telefone ou falando sozinha com as caveiras em seu escritório. Às vezes, ela recebia visitas de alguns cientistas, negociantes ou mulheres das fundações feministas na qual apoiava. Vez ou outra, ela jantou na casa dos tios. A vida de Vitória seguia normalmente. A de Benício também.

Após passar o dia em uma corrida de teste com Miranda e os rapazes de sua escuderia, Benício saiu para beber com ele e voltou para casa, cansado, mas não muito tarde. Tinha coisas triviais na cabeça, como o que comeria no dia seguinte, como resolveria o problema do acelerador da Bugatti e os sapatos que precisava mandar engraxar. Tomou banho, vestiu seu robe, foi para a sala escutar o rádio, bem baixinho, enquanto esperava o sono vir. Os programas de rádio já haviam acabado devido ao horário, apenas algumas estações ainda tocavam música - chatas, em sua maioria. Cansou-se do rádio e foi deitar, retomando a leitura de cabeceira que protelava há semanas para não chegar ao fim. Com o livro em mãos, entretido no desenrolar do romance, sua atenção foi desviada para um barulho em sua janela.

- Vitória!? - Exclamou Benício ao abrir a janela.

- Eu não deveria ter vindo aqui. - Respondeu Vitória, com a voz mole e estrangulada de quem estava bebendo enquanto afastava-se, quase se arrastando, da janela.

- O quê? Volte aqui.

- Desculpe-me, eu não deveria estar aqui. - Insistiu ela, escorando-se na parede, enquanto dava um gole no cantil de prata que tinha em mãos.

- Entre, vamos conversar.

- Não... - Gemeu ela, virando-se de costas para a janela e recostando na parede a baixo da mesma.

Benício olhou de um lado para o outro na rua e respirou fundo antes de agarrá-la pelo torso e erguê-la até a beirada do batente. Ela esperneou e tentou gritar, mas ele foi rápido em tapar sua boca antes de largá-la, sem jeito, no chão do quarto.

- Não faça isso! - Exclamou Vitória, empurrando Benício, irritada. Ela vestia um terno de tweed e um chapéu que caiu quando ela foi puxada para dentro do quarto.

- Boa noite para você também. - Disse Benício, indo fechar a janela. - Deus, não acredito que dirigiste até aqui neste estado.

- Não dirigi, vim andando.

- Isso é ainda pior! Já passa da meia-noite, o que estavas pensando?

- Eu não sei.

- Percebe-se.

Benício virou novamente para Vitória. Na luz, com ela em sua frente, ele percebeu imediatamente que ela não estava bem. Vitória era uma bêbada risonha, lasciva e até mesmo inconsequente. Mas aquela Vitória na frente dele tinha os olhos inchados e arroxeados, os lábios ressecados e sem batom e uma expressão de pura aflição.

- Vitória... O que aconteceu? - Perguntou Benício, preocupado.

- Desculpe ter vindo aqui.

- Podes explicar-me o que está acontecendo?

- Não, eu... Perdoe-me, eu preciso ir, não é justo. Eu não deveria ter vindo.

- Mas vieste. E claramente não estás bem.

Vitória virou-se e apoiou as mãos no encosto da cadeira da escrivaninha. Benício esperou que ela se virasse novamente ou dissesse algo, mas ela permaneceu ali. Após alguns segundos, ele percebeu que ela soluçava discretamente

- Vitória... - Disse Benício, baixinho, aproximando-se dela como se tentasse chegar perto de um animal silvestre desconhecido. - O que aconteceu?

Ela não respondeu. Benício pôs o braço em volta dela e conduziu-a até a cama, onde ela sentou com os cotovelos nos joelhos e os olhos enterrados nas mãos. Era um choro esquisito. Benício a viu chorar uma única vez e apenas uma vez além dessa ele soube que ela havia chorado - ambas as vezes por conta do estresse pós-traumático que a Guerra proporcionou. Mas aquele choro era diferente. Aquilo era tristeza, aflição, desespero e desolamento. Ela não estava chorando por alguma coisa e sim por muitas coisas, ele tinha certeza. O que o preocupava era justamente qual foi o gatilho que a levou àquele estado.

- Minha mãe sempre repreendia quando Marieta chorava assim. - Disse Benício, apenas para preencher o silêncio, já que nem os soluços de Vitória tinham som. - Ela dizia que uma moça deveria chorar apenas quando necessário se não suas lágrimas não valeriam nada. Segundo ela, ninguém liga quando uma chorona chora, mas quando uma moça que nunca chora decide chorar o mundo para. Talvez ela estivesse certa. Nunca te vi chorar assim e fico apavorado ao pensar no que poderia ter causado isso. - suspirou - Mas, então, o que teus pais diziam sobre o choro?

- Algo um pouco diferente. - Respondeu Vitória, tirando o rosto, brilhante de lágrimas, das palmas pela primeira vez. - Mamãe dizia que meninas choronas são declaradas histéricas acabam internadas em manicômios femininos.

- Cristo.

- É, eu gostaria que ela estivesse exagerando. - Disse Vitória, encarando os pés.

- Bem, eu não pretendo colocar-te em um manicômio. Mas estou preocupado contigo, de verdade.

Benício pôde observar o momento exato em que novas lágrimas eram formadas nos olhos de Vitória. Dessa vez, ela não tampou o rosto, apenas deixou que as gotas pesadas escorressem por sua face. Ele pôs uma das mãos nas costas dela e ela chegou mais perto, perto o suficiente para que o braço dele alcançasse o outro lado de seu corpo e pudesse abraçá-la.

- Eu só... Eu só não queria ficar sozinha hoje. - Disse Vitória, entre soluços, com a voz fraca.

Vitória escondeu-se no abraço de Benício e tornou a chorar em prantos, mas de maneira silenciosa. Nenhuma palavra mais foi dita.

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Castro e SouzaOnde as histórias ganham vida. Descobre agora