– Mas isto é um absurdo! – Gritava o médico, na sala, com Vitória. – Onde já se viu obrigar uma moça a parir de pé!? Não permitiria nem que uma escrava parisse de forma tão grotesca, quiçá uma mulher respeitável como Dona Marieta!
– Então, que bom que não existem mais escravas, não é mesmo, Doutor Júlio? Marieta estava sentindo dor na lombar, caso deitasse sentiria mais ainda e não teria forças para empurrar. – Explicou Vitória, com um copo de conhaque em mãos.
– E quem a mocinha pensa que és para saber o que é melhor para uma mulher grávida? Parteira certamente não, pois parteiras decentes sabem respeitar a integridade de uma mulher e o parecer de um médico!
– Tens razão, não sou parteira. A propósito, é "Doutora" e não "Mocinha". E, sim, respeito muito meu próprio parecer sobre ter feito a coisa certa! – Vitória soava tranquila e, embora houvesse uma certa raiva em seu tom, tinha também muita calma (que irritava consideravelmente o médico).
– Doutora? – riu – Brinque de ser médica o quanto quiser, mas da próxima vez que a vida de uma pessoa estiver em risco, deixe para um profissional!
– Pois bem, Doutor! Pode, então, dizer-me como está a pressão dela? – Perguntou Vitória, impaciente.
Após os exames e indignações do médico, o mesmo foi escoltado até a porta por Helena, que agradeceu por seus serviços e fez questão de lhe informar certas coisas, como quem, na verdade, era a "mocinha" que havia realizado o parto. Ao chegar em casa, o médico anunciaria para a esposa que não iria mais para a capital do Estado a trabalho e estava pensando em procurar outras cidades para trabalhar.
– Escutei lá do quarto. – Disse Benício, ao adentrar a sala.
– Ah... Desculpe se a gritaria incomodou tua irmã.
– Nem escutei tua voz, somente o médico. – riu.
Um silêncio estranho formou-se entre os dois.
– Acontece muito isso? – Perguntou Benício.
– O quê?
– Isso... Essas coisas que o médico disse. Escutas muito?
– Ah, sim. – assentiu com a cabeça – Muito.
O breve silêncio se repetiu.
– Como sabias que era melhor que ela ficasse de pé?
– Como assim?
– Bem, eu nunca havia ouvido falar disso até vê-la realizar o parto.
– É uma questão de lógica. A coluna alinhada ameniza a dor e a gravidade dá conta de diminuir quase que pela metade a força que ela faria se estivesse deitada.
– Interessante. O médico pareceu muito chocado com isso, mas me parece lógico. E bem simples.
– E é. Mas não me surpreende o Doutor Júlio não ter conhecimento do assunto, certamente não aprendi sobre isso na faculdade.
– E aonde aprendeste?
– Na Escócia. Em um presídio feminino.
– Ainda me parece absurdo que não haja conhecimento sobre isso.
Vitória suspirou e aprontou-se para colocar mais uma dose de conhaque. Perguntou a Benício se queria e ele respondeu que sim.
– Por acaso és religioso, Benício? – Indagou Vitória, lhe entregando a taça.
– Temo que não.
– Ótimo. Então não irá se importar com a explicação que vou lhe dar. Marieta disse que pouco sentiu dor ao parir, certo?
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Castro e Souza
Historical FictionVENCEDOR #Wattys2018 Em 1925, dois membros da alta burguesia carioca - os belos herdeiros Vitória de Castro e Benício de Souza - tornam-se cúmplices de um crime quase perfeito, mas acabam colocando suas próprias reputações em jogo para ocultar seus...