A Doutora Vitória de Castro estava em seu escritório, sentada no chão em meio a uma bagunça de livros, folheando atas e fazendo anotações. Fazia três semanas desde que voltara de Petrópolis e instalara-se de vez em seu sobrado no centro do Rio. A arqueóloga, agora empresária, cortou o cabelo à la garçonne, seguindo a moda das melindrosas americanas; preferia conjuntos de blusa e saia a vestidos e, quando se sentia particularmente ousada, usava calças de seda, como faziam suas contemporâneas mais intrépidas. Tornou-se adepta do batom vermelho e recusou-se a abandonar certos hábitos em prol de sua reputação, como fumar em público, receber grupos de intelectuais em sua casa e frequentar clubes noturnos. Mas, no fim das contas, passava a maior parte do tempo trabalhando e sua vida social tornou-se desinteressante e repetitiva o suficiente para que, aos poucos, se tornasse levemente esquecida entre as fofocas da cidade.
Vitória levantou-se de sua bagunça quando o telefone tocou. Era Marieta, convidando-a para almoçar em sua casa. Apesar de inesperado, o convite apeteceu-lhe – faziam algumas semanas que não via a amiga. Pediu para Sofia, que agora já possuía um vocabulário limitado em português, avisar à cozinheira que não almoçaria em casa e não voltaria até às dezoito horas, já que, após o almoço, iria direto para os escritórios da Importadora para uma reunião.
– Ela é tão boazinha! – Gabava-se Marieta, falando da filha recém-nascida. – Dorme muito bem, não dá trabalho nenhum! Diferentemente desse rapazinho aqui.
O pequeno João brincava com um aviãozinho de madeira no colo da mãe.
– Ela tem os cabelos dourados, como o pai. – Comentou Vitória, enquanto ninava a pequena Maria Vitória em seus braços. – Acho que dormiu.
– Ah, tão rápido! Viu? Disse que era um anjo! Pode colocá-la no berço, por favor?
– Marieta, temos babá, não precisas alugar a Doutora para ficar pondo a bebê para dormir! – Exclamou Lourenço, enquanto lia seu jornal após o almoço. Marieta pareceu sem graça.
– Imagine, eu não me incomodo! Adoro crianças.
– Viu? Está só treinando para quando tiver as dela! – Refutou Marieta. Vitória arregalou os olhos. Lourenço riu.
– Eu vou colocá-la no berço. – Informou a Doutora.
Vitória foi para o segundo andar para colocar a criança no quarto.
– Marieta é um pouco inconveniente com essas conversas de casamento e maternidade com todas as amigas solteiras, não é só contigo. – Disse Lourenço ao recostar-se no alisar da porta do quarto das crianças.
– Sim. – riu – Já notei. Não me incomoda, sei que suas intenções são boas.
– Uma mulher como tu provavelmente preferes falar sobre política, não de fraldas.
– Bem, é verdade. – Vitória se surpreendeu com tais palavras vindas de um homem como Lourenço. Cobriu a neném e foi em direção à porta.
– Como vai a vida de mulher de negócios? – Perguntou o marido de Marieta.
– Muito bem. Um pouco diferente da vida que eu tinha antes, mas estas primeiras semanas têm sido interessantes. Vamos ver como me sairei daqui para frente.
– Disseste que tinhas uma reunião hoje. Do que se trata?
– Nada demais, apenas alguns franceses. – riu – Representantes comerciais da Citroën.
– Seja lá sobre o que forem discutir, seja legal com eles. Quero comprar um B14 e és, literalmente, a única que traz esses carros para cá.
– Farei meu melhor, garanto-lhe. – Assegurou Vitória. Lourenço sorriu. – Inclusive, tenho que ir. Não quero me atrasar.
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Castro e Souza
Historical FictionVENCEDOR #Wattys2018 Em 1925, dois membros da alta burguesia carioca - os belos herdeiros Vitória de Castro e Benício de Souza - tornam-se cúmplices de um crime quase perfeito, mas acabam colocando suas próprias reputações em jogo para ocultar seus...