Capítulo X - Exoneração de pudores

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Foi dada a largada da corrida e todos estavam eufóricos. Vitória estava apoiada na barra do camarote, acompanhando os carros irem e virem em alta velocidade, completando as vinte e três voltas do percurso. Seu favorito estava na décima sexta volta e dois carros já haviam abandonado a pista quando Lourenço se aproximou dela:

– Acho que não deverias dar tanta moral para um moleque como Benício. – Comentou o marido de sua amiga.

Vitória achou estranho o comentário, mas evitou assumir demais.

– Por quê?

– É um moleque, Vitória, será sempre um moleque. Acredite, tentei fazer o rapaz virar homem a vida inteira.

– Gosto de Benício. Não o considero imaturo, não.

– Se o conheceres melhor, verás sobre o que estou falando. A verdade é que um rapaz como ele jamais chegaria aos pés de uma mulher como tu. Sei que se diverte com rapazes, mas, no fim, é claro que o que realmente gostaria é de um homem. Um homem de verdade.

Vitória calou-se. Aquela conversa tomara um rumo perigoso. Queria muito se enganar, fingir que não havia nada demais no que Lourenço dizia, mas estaria mentindo para si mesma. Seu tom profundo e sensual atingira-lhe em cheio – era óbvio que sentia algo diferente por ele, mas jamais seria capaz de causar tamanha desgraça à sua tão querida amiga que nomeara a própria filha em sua homenagem. Sorriu para Lourenço, disse que precisava usar o toalete e saiu de perto. Após contemplar a si mesma no espelho por alguns minutos, pôs na cabeça que, quer tivesse algo mais ou não nas palavras de Lourenço, não importaria para ela. Jamais trairia sua amiga.

Quando voltou para a tenda, sentou-se com a prima, a amiga e mais algumas mulheres e brincou com as crianças enquanto aguardava o fim do circuito. Não demorou muito para que a última volta fosse anunciada e alguns carros fossem vistos retornando dela. Todos se amontoaram nas barras para ver quem seria o campeão.

E o primeiro a cruzar a linha de chegada foi o número 6.

Uma euforia gigantesca se formou. Os integrantes da escuderia de Benício, vibrantes, foram correndo parabenizar o vencedor. Miranda, que havia chegado em quarto lugar e o outro corredor da escuderia, que chegou em décimo, também se juntaram à comemoração. Os fotógrafos amontoavam-se para conseguir uma boa foto do piloto perto de seu carro, mas eram tantos os mecânicos, colegas e parceiros no meio da pista que praticamente não foi possível. O campeão correu em direção aos camarotes, ainda no asfalto, e foi ovacionado pela família e pelos amigos.

– Agora, quem me deve um beijo é você! – Gritou Vitória, de cima.

Benício, radiante, subiu na grade que separava o camarote da pista e estalou um beijo na boca de sua queridinha.

– Meu amuleto da sorte!

Marieta, Helena e seus respectivos maridos e filhos foram para casa logo após o fim do alvoroço. As tendas ficaram ocupadas, em sua maioria, por jovens e pessoas sem filhos, que tinham o privilégio de passar a tarde vadiando e bebendo. Vitória mostrou para todos seu carro novo, único exemplar circulando no Brasil até o momento. Fez uma bela de uma propaganda. Enquanto os recém-conhecidos amigos admiravam a máquina e pediam para o fotógrafo tirar fotos deles nela, o piloto notou que um homem grisalho e de bigode olhava para a Doutora e comentava algo com uma mulher ao seu lado.

– Quem é aquele homem? – Perguntou Benício, apontando discretamente quando o mesmo se virou.

– Não o conheces? – ele negou – Laurentino Cavalcante. Meu grande arqui-inimigo.

– É sério, é? – riu.

– Não. – riu – Arqui-inimigo é um oponente à altura. Mas creio que ele me considera sua Nêmeses no momento.

Castro e SouzaOnde as histórias ganham vida. Descobre agora