Capítulo LXV - Rute

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O subúrbio tinha outros ares, outros sons, outras cores. Era um organismo a parte naquela forma de vida chamada Rio de Janeiro, ao mesmo tempo que compunha as vísceras da cidade e caracterizavam tudo o que ela representava. O carnaval já havia passado, mas ainda se escutava uma marchinha ou um batuque de chorado qualquer. Era uma noite agradável, levemente fria e com um sereno forte. Benício tinha os cotovelos apoiados em uma bancada de madeira contemplando o copo a um gole de estar vazio na sua frente.

- Mais uma dose, moço? - Perguntou a mulher por trás do balcão enxugando copos.

- Por favor. - Respondeu ele, virando o resto de pinga.

- Dia ruim? - Perguntou a moça enquanto enchia o copo.

- Dias. - riu.

- O senhor não é daqui, né?

- Não extamente. Vivi aqui há uns anos. Muitos anos.

- É coração partido? - riu - Não vejo aliança...

- Ah, sim. - riu - Na verdade, eu não estou usando a minha. Há um bom tempo eu não uso, para ser sincero.

- Viúvo? - Perguntou a moça, parecendo preocupada.

- Não desde a última vez que chequei, mas... Nunca se sabe. - revirou os olhos - É brincadeira. Deus, isso foi horrível. - riu.

- Eu também sou separada de meu marido, sabia? Precisei deixar minha cidadezinha e começar tudo de novo. Ele ainda vive lá, com a outra...

- Eu lamento muito.

- Tem problema não. A vida é assim mesmo, tem é quer ter coragem pra seguir em frente.

- Eu estou sérios problemas com essa parte.

- O senhor não tem cara de ser daqui mesmo. Eu era costureira, eu reconheço camisa boa quando vejo. O que fazes por aqui, hein?

- Fugindo da minha mulher, eu acho. - riu.

- Mas por quê? - riu.

- Ela quer que eu volte para casa. E a pior parte é que eu cheguei a considerar.

- E o que houve? Foi corno?

- Não! - riu - Eu acho que não, pelo menos. Ela só... Ela é adorável. Extremamente inteligente. Corajosa. Gentil de vez em quando. Carinhosa quando estimulada. Muito intensa.

- E qual é o problema dela, gente? Não me diga que é feia...

- Ela pode ser cruel, insensível, egoísta e extremamente superficial às vezes, além de uma dificuldade enorme de se abrir quanto a certas coisas. E ela é aterradoramente bonita o que pode tornar tudo muito difícil. - virou o copo - Mais uma dose, por favor.

- E ela pediu que voltasse para casa, é? - Perguntou a moça enquanto enchia o copo mais uma vez.

- Não exatamente com essas palavras, mas sim. O problema é que, no fim das contas, ela se preocupa mais com a reputação dela do que qualquer outra coisa.

- Então... Saíste de casa para torturá-la ou algo assim?

- É.

- Nossa.

- Bem, eu nunca disse que era um santo. - revirou os olhos - E não é como se viver sob o mesmo teto fosse nossa atividade favorita. Tínhamos um relacionamento bem melhor antes do casamento.

- Ah, meu bem, isso é normal. Só porque a gente ama não quer dizer que a gente deva conviver. - riu.

- Eu concordo plenamente. - riu - Mas eu não acho que ela me ame. Acredito que tenha amado um dia. Ou dois. - riu.

Castro e SouzaOnde as histórias ganham vida. Descobre agora