Capítulo XXXV - Imoralidade

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Mal se falava em Vitória de Castro e Benício de Souza após três semanas que um mero rendez-vous dos dois culminara em agressão física, tentativa de assassinato e morte em legítima defesa. A verdade é que a curiosidade girava em torno de uma dúvida que ninguém sanava: estava a Doutora Vitória presente quando tudo aconteceu? Se estivesse, o verdadeiro escândalo seria a possível imoralidade praticada pelos dois naquela fatídica noite de sexta. Mas, como os jornais estranhamente mantiveram o nome da socialite fora de todas as notas comunicando o acontecimento, havia pouco mais do que especulações e boatos. Como os dois envolvidos desapareceram durante um tempo, logo outras fofocas se tornaram mais interessantes e, enquanto não houvesse um segundo escândalo, de qualquer um dos dois, para somar com aquele que estava há pouco adormecido, poucas pessoas ainda se davam o trabalho de perpetuar o burburinho em torno do ocorrido.

Vitória mergulhou em seu trabalho desde que retornara de seu breve exílio na serra petropolitana. Há três semanas, decidiu que voltaria para o Rio sob a condição de manter a cabeça baixa e evitar qualquer tipo de controvérsia. Sem mais saídas, boates, bares e festas durante a noite. Trabalhava metade do dia em casa e metade do dia na Importadora, metodicamente, sem nem parar para tomar café na Colombo como gostava de fazer. Contratou de volta seu motorista permanentemente para não chamar atenção dirigindo. A vida estava chata. Pegava-se deprimida diversas vezes, mas tentava colocar na cabeça de que era temporário – em alguns meses, se chamasse o mínimo de atenção para si, poderia voltar a viver sua vida normalmente e a chocar a sociedade com seus pequenos escândalos inofensivos. Com o passar dos dias, pensava cada vez menos em Benício, obrigando-se a deleitar das memórias ao invés de sofrer pelas circunstâncias. A saudade batia com força, principalmente durante a inércia da madrugada, porém não há coração mais complacente do que aquele que compreende perfeitamente que quase tudo na vida possui começo, meio e fim.

– Então, Doutor, o que achou do lugar? – Perguntou Vitória, enquanto caminhava pelos jardins da mansão da Boa Vista, acompanhada do Doutor Alberto.

– Fascinante. – Respondeu ele, sorrindo. – Não temos muitos museus privados na cidade, estou realmente impressionado com o que fizeste.

– Obrigada. – sorriu – Não irei cobrar a entrada. Compartilho do pensamento do Dr. Edgar, precisamos democratizar a ciência no Brasil.

– Não só a ciência, mas como o ensino. Teus pais também partilhavam dessa ideia.

– Mamãe era uma das poucas mulheres de sua época a possuir educação acadêmica superior e, mesmo assim, dedicou a vida a ensinar garotas na periferia do Rio. Confesso que custei a entender o que a levou a fazer isso. Agora, compreendo cada vez mais.

– Tua mãe era, de fato, uma grande mulher. – sorriu.

– É. Lamento muito não ter tido a presença dela em minha vida por mais tempo. Mas sou grata por poder fazer algo que honre a memória de meus pais.

– É muito tocante de tua parte querer fazer algo assim, Doutora.

– Obrigada. Estou contando com a tua presença e a de tua família na festa semana que vem.

– É claro, estaremos aqui.

– Espero poder comemorar mais do que a abertura da casa...

– Como?

– Minha aceitação na Academia. – riu – Quero dizer, estão fazendo-me esperar há semanas. A tradução de meus trabalhos já está no Real Gabinete. Já tenho resultados quanto às pesquisas nos Sambaquis. Acho que já é hora de me concederem um assento na mesa.

– Doutora Vitória – suspirou –, em relação à isso, eu... Bem, é complicado.

– O quê?

Castro e SouzaOnde as histórias ganham vida. Descobre agora