Capítulo XXX - Carta de amor ao Rio

441 73 17
                                    

Benício e Vitória estavam em frente à Orla de Ipanema. Ela havia parado em uma loja para comprar um par de óculos escuros, já que, na confusão com Dona Ivete em sua cozinha, havia esquecido de pegar os seus. De uma pequena boutique pertencente a um dos hotéis dali, Vitória saiu e foi em direção a Benício, recostado sobre o carro, terminando uma ponta de cigarro.

– Como estou? – Perguntou ela, saindo de uma lojinha, com um par de lentes negras sobre os olhos.

– Linda. – riu.

– Vamos?

– Vamos. – sorriu e jogou a ponta fora – Sorvete?

– Claro!

Os dois foram em direção a um sorveteiro com seu carrinho que passava pelo calçadão. Algumas crianças andavam de mãos dadas com seus pais e corriam animadamente com seus potinhos nas mãos.

– Qual sabor? – Perguntou Benício.

– Escolha. Surpreenda-me. – Respondeu ela.

– Creme com castanhas, então. – Disse ao sorveteiro. – Não és alérgica, certo?

– Não. – riu.

O sorveteiro entregou o sorvete para Vitória e os dois foram para o carro. Foi a vez de Benício colocar seus óculos escuros. Em menos de quinze minutos, Vitória reconheceu para onde estavam indo.

– Ei, eu conheço este lugar! – Exclamou ela, enquanto passavam pelo trecho da Gávea onde, há alguns meses, Benício havia disputado o percurso do Trampolim do Diabo.

– Conheces, é? – riu.

Benício acelerou e, logo depois, passou por um pequeno buraco na pista, fazendo o resto do sorvete de Vitória acertar-lhe o nariz.

A estrada, que contornava o Morro Dois Irmãos, foi agraciando seus campos de visão com uma vista cada vez mais bela. Benício, obviamente, estava dirigindo com muito mais calma e cautela do que quando estava competindo, mas não demorou muito para que, em determinado trecho da estrada, ele parasse o carro.

– Venha cá. – Disse ele, dando a mão para a Doutora descer do veículo.

Vitória, completamente deslumbrada, tirou os óculos escuros e atravessou a pista. Em sua frente, nada menos que cidade do Rio de Janeiro estendia-se sob seus pés. O sol, ameaçando se por, coloria aquele límpido céu em tímidas tonalidades avermelhadas, fazendo com que as praias do Leblon e de Ipanema parecessem ainda mais azuis.

– La ville merveilleuse... – Disse Vitória, estupefata, observando a paisagem.

– "A cidade maravilhosa"? – Perguntou Benício.

– Sim. – sorriu – Uma poetisa francesa visitara a cidade anos atrás e escreveu uma espécie de carta de amor ao Rio, uma coletânea de poemas chamada La Ville Merveilleuse¹. – riu – Lembro-me de quando me deparei com este livro em uma livraria em Paris. Quase chorei de saudades de casa...

– Não sei se consigo lhe imaginar melancólica assim. – riu – A cidade maravilhosa... – Repetiu ele, também cativado pelo cenário espetacular. – Faz sentido. Não somente maravilhosa, mas impossível também. – riu – Geograficamente falando, o Rio não deveria existir. Mas cá estamos. Entre aterros e baixadas... Uma verdadeira obra-prima.

– O terre triomphale, ardente, révélée, / Que mon instinct d'aimer a choisi pour séjour, / C'est la première fois que mon âme est comblée. / Rio, votre beauté est égale à l'amour, / On n'est pas seule alors que l'on est avec elle / Et chacun de vos jours vous consacré immortelle...² – Recitou Vitória, com um sorriso deslumbrado no rosto.

Benício olhou para Vitória, compenetrado em sua expressão de fascínio, e tirou seus óculos escuros.

– Estás ciente que preciso beijar-te agora, certo? – Disse ele, sério.

– Precisas? - riu.

Benício tomou-lhe uma de suas mãos e a virou de frente para si.

– Estamos vendo o pôr-do-sol mais espetacular do Rio de Janeiro, talvez do mundo, e acabaste de tomar meu sorvete preferido. Teu beijo agora deve ser como a melhor coisa disponível entre céu e inferno neste momento.

O sorriso de Vitória alargou-se de tal forma que ela pôs a mão na boca para escondê-lo. Era tão involuntário que nem se quer conseguia desfazê-lo sem uma careta. Benício prosseguiu:

– E foi bem neste trecho da estrada que, meses atrás, eu percebi que precisava dirigir o mais rápido possível porque tudo em que conseguia pensar era em te beijar novamente quando cruzasse a linha de chegada.

Sem hesitar, Vitória jogou-se em seus braços e tomou seus lábios para si como fosse morrer caso não o fizesse. As cores do céu, cada vez mais avermelhadas, pareciam transformar a cena em um quadro, com um quê de Romantismo e uma pitada Neoclássica. Naquele dia límpido e quente de inverno, nada parecia fazer muito sentido, nada precisava fazer muito sentido. Não se exige coerência da vida quando se está diante de uma cidade que não deveria existir.

– E então? – Disse Vitória ao romper o beijo.

– Então o quê? – Perguntou Benício, um pouco mole.

– Melhor coisa entre céu e inferno?

– Eu não sei. – riu – Talvez. Só tenho certeza de que vou para o inferno pelo que estou pensando agora.

Vitória riu e escondeu o rosto no pescoço de Benício, dando-lhe um beijo. Desceu da ponta dos pés e virou o rosto, deitando a cabeça em seu peito e observando a vista enquanto escutava seu coração bater contra seu ouvido.

– E tu, Doutora – Disse Benício, ainda a abraçando –, o que pretendes fazer esta noite?

Vitória ergueu a cabeça e olhou novamente para ele.

– Bem... – riu – Dançar. Muito! E beber. Champanhe, de preferência...

– E o que mais? – sorriu.

– Ir para a tua casa... Fazer amor até apagarmos de exaustão. – riu – E dormir a manhã inteira, até mais tarde. E tomar café-da-manhã no almoço.

– Café-da-manhã no almoço? – riu.

– Sim! Na Colombo³.

– Ficarás com preguiça de levantar e eu terei que dirigir até lá para comprar nosso café, não é?

– Muito provável. – revirou os olhos, rindo – Mas sabes bem que eu demonstro gratidão como ninguém... – Sussurou Vitória, beijando o canto da boca de Benício.

– O que posso dizer? – riu – Que ideia maravilhosa.

▪ ▪ ▪ ◇ ▪ ◇ ▪ ◇ ▪ ▪ ▪

¹ Livro de Jane Catulle-Mendès, publicado em Paris em 1913.

² "Terra triunfante, ardente, revelada / Que meu instinto de amar escolheu para ficar, / Esta é a primeira vez que minha alma está cheia. / Rio, sua beleza é igual ao amor, / Nós não estamos sozinhos enquanto estamos com ela / E cada um dos seus dias te consagra imortal [...]", excerto do poema Premiers Jours.

³ Confeitaria Colombo, fundada em 1894, localizada no Centro do Rio de Janeiro.

Castro e SouzaOnde as histórias ganham vida. Descobre agora