Capítulo 14.

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Ele riu também revelando seus dentes e foi pegando a tinta da minha mão e me deitando no chão, ele se sentou do meu lado e olhou pro meu rosto durante alguns segundos, deu um sorriso largo revelando as covinhas fundas em suas bochechas.

─ Fecha os olhos que sei bem que animal combina com você ─ diz e fecho minhas pálpebras.

─ Deus queira que não seja uma galinha.

─ Eu sou um pintor profissional da vida, o mínimo é ficar igual uma prostituta de bar, o máximo é igual a deusa Inês, agora cala a boca ─ fala e não retrucou.

Sinto o dedo dele passando devagar pelo meu rosto, a tinta é fria, estava mega curiosa pra ver como tinha ficado, demorou um pouco até ele dizer que tinha terminado.

Abri meus olhos e encarei os olhos dele, ele arqueou a sobrancelha e gargalhou, uma gargalhada gostosa e rouca, foi rápido, mas foi linda, vamos ser sinceros.

Ele me entregou o espelhinho e vi eu com a cara de um coelho, os dentinhos na minha boca, a tiara com as orelhas de coelho, os bigodinhos e tudo pintado perfeitamente. Olhei pra ele e cerrei os olhos.

─ Você tem cara de coelho, eu só dei uma aprimorada nesse horror que chama de cara ─ diz e o fuzilo.

─ Tu tem cara de cachorro e nem por isso te pintei igual um.

─ Antipática.

─ Arrogante.

─ Mimada.

─ Brutamontes petulante.

─ Não sou petulante ─ diz se levantando.

─ Claro que é ─ reviro os olhos.

─ Sou lindo e maravilhoso, e sambo geral nos recalcados ─ diz passando a mão pelos cabelos e fazendo graça, coisa difícil.

Veio duas menininhas pra perto da gente chamando a gente pra brincar de "bom-barquinho". Eu e Bruno combinamos as frutas, eu fiquei com pera e ele com uva.

Brincamos bastante com as crianças e até os adultos entraram na brincadeira do barquinho, no final ele ganhou, com mais pessoas que escolheram uva.

Depois fizemos uma roda, a mão quente dele segurou na minha levemente e meio que me arrupiei. Mas sorri mesmo assim e continuei rodando e cantando com as crianças.

No final, Arthur se jogou em cima de nós dois e foi eu, Bruno e Arthur pro chão. Meu primo começou a me fazer cócegas e Bruno ajudou, eu estava com falta de ar só de rir.

─ Vocês me pagam! ─ digo após ambos saírem correndo.

***

Nós fomos embora umas sete da noite, a tarde havia sido maravilhosa, era tudo que eu precisava, nunca havia gargalhado tanto em minha vida, estava tão feliz, não queria deixar aqueles pequenos ali, quase chorei na hora de me despedir.

Meu corpo estava mega cansado, minhas pernas doíam, havia sido bem cansativo aguentar mais de trinta crianças. Mas havia valido à pena.

Não imaginava que Bruno havia organizado tudo aquilo, e no sorriso dele dava pra perceber que tudo saiu como ele quis. Só queria saber o porque dele querer ajudar, será que era algo relacionado à família ou passado dele?

Eu estava tão cansada que nem pensei muito sobre isso.

Acabou que eu acabei dormindo no carro só de cansaço, adormeci mais que feliz, pois era gratificante fazer o bem pra criaturas lindas. Era tão contagiante ver o sorriso delas, mesmo com o pouco, para nós, um pedaço de pizza não era nada, mas pra uma criança carente era como se ela acabasse de ganhar na loteria.

Eu nunca fui de ter preconceito, ao contrário, eu amava crianças, se pudesse abraçar todas da África eu faria isso. Ao contrário das várias meninas lá da escola, como Duda, ela morria de nojo de gente pobre, eu hein, tinha pena dela.

Quando chegamos em casa me sacudiram mas eu resmunguei morrendo de sono.

─ Vem cá, priminha ─ Bruno me pegou nos braços e me entregou pra Arthur que me pegou no colo. ─ Neném cansou de brincar por hoje.

─ Ela é folgada, isso sim ─ Arthur diz lambendo meu nariz e bato no rosto dele devagar.

Me aconchego e continuo dormindo, eles sobem o elevador conversando e sinto vontade de cortar a língua de ambos, odiava dormir com gente conversando.

Quando chegamos lá em cima, meu querido primo me jogou no chão, bem carinhoso ele, não é?

Me levantei parecendo um zumbi e fui pra cozinha beber água, Arthur pegou uma cerveja e bateu na minha cabeça me atentando e foi se jogar no sofá pra assistir futebol americano. Eu me sentei no balcão bebendo minha água e logo Bruno apareceu pegando uma cerveja também, ele se sentou de frente pra mim, minha cabeça latejava só de cansaço.

─ Gostou de hoje? ─ a tintura estava borrada, mas mesmo assim continuava engraçado.

─ Bem bastante ─ digo me debruçando contra o mármore.

─ Pensei que teria nojinho.

─ A única coisa que eu tenho nojo é da sua cara de bunda ─ digo e reviro os olhos.

─ E eu de você, sinto ânsia de vômito quando te vejo, e você fede, igual seu primo ─ ele fala baixo e olho pra Arthur que coçava o saco e estava bem atento ao jogo.

─ Te odeio, Bruno Rocco.

─ Eu te odeio muito mais, priminha. Todos os dias no trabalho fico imaginando sua morte de diferentes formas, logo colocarei meu plano em ação, ninguém saberá que morreu de verdade ─ diz e faço cara de nojo.

─ Então quer dizer que fica pensando em mim, é?

─ Quando escuto uma música infantil ou assisto um desenho de criança. E você se parece com seu primo, todo dia vejo a cara dele, ele come minha melhor amiga ─ diz e abro um sorriso, Arthur é demais.

─ Vivian não tirava os olhos de você.

─ Isso eu sei, mas não me importo, infelizmente ela já estava incluída no projeto antes mesmo da gente terminar, nem sei porque vai, não participa de nada ─ desabafa bebendo sua bebida. ─ Enfim, priminha. Foi bom ver você rir, na segunda vamos de novo, se quiser ir... separa umas roupas pra doar.

─ Vai doar as suas também? ─ pergunto arqueando a sobrancelha.

─ No caso eu vou comprar. Bem, vou tomar uma ducha e estudar, cansei de falar contigo.

Ele desaparece no corredor e mando dedo enquanto ele ainda vai andando.

Havia gostado demais de participar. E eu separaria bastante roupas, eu tinha muitas e algumas nunca havia usado, sem falar que tinha a loja dos meus pais, ou seja, eu podia comprar mais pra poder doar pras crianças.

Depois de tomar um analgésico fui pro quarto, tomei um banho, tirei aquela maquiagem do rosto e me deitei na cama pegando o iPad, meus pais me ligavam via skype.

Conversei muito com eles, chorei de saudade e então me despedi.

Só me joguei na cama, me embrulhei e logo estava dormindo.

Dormindo e pensando na tarde maravilhosa de hoje. Jamais pensei que o brutamontes petulante tinha coração, principalmente ele, sendo um cara sempre sério e na dele, curto e grosso, mas foi bom ver ele sorrindo e brincando com as crianças.

Talvez, Bruno fosse melhor do que eu pensava.

Mas o que não tirava do pensamento era o sorriso contagiante dele.

E claro, o olhar de raiva de Vivian pra nós dois enquanto brincávamos.

Paraísos PerdidosWhere stories live. Discover now