Cinquenta e Seis - Acordo de Paz e Outros Problemas

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Eu fui uma criança negociadora.

Com certa frequência, era capaz de levar Matt e Mark na conversa, para que fizessem favores para mim, os quais quase nunca precisava retribuir, eles não cobravam. Também não eram tão difíceis de convencer, um chocolate costumava ser o suficiente. Matt e Mark, portanto, não foram um bom teste para o que estava por vir naquele momento.

Era fato que minha situação na mansão de La Recocha só piorava, seguindo a lógica e previsível tendência. De uma festa de apresentação a mafiosos, para aulas de como ser uma mafiosa, para ser obrigada a atirar no "traidor" da família, para negociar com o mensageiro do maior inimigo...

Não, nem em meus piores pesadelos eu poderia cogitar estar onde estava.

Mas estava, e as lições de Vidal sobre como construir a melhor das poker face seriam de grande valia diante do homem que estava sentado no sofá da sala da mansão de La Recocha com um peculiar conforto, como se fosse um grande amigo que há muito não visitava.

De início, não o reconheci, mas logo identifiquei a quem pertenciam o cabelo e barba ruivos que se destacavam em meio aos móveis em tons de bege. Eu já o tinha visto uma vez, meses antes, no beco onde me cercara junto de outros quatro homens, um deles o cowboy brega, que já não estava mais entre nós.

Ele me reconheceu também e o sorriso cheio de dentes que abriu me distraiu do cumprimento de meu pai, que, a contrário senso, parecia muito mais animado do que esteve antes, naquele mesmo dia. Talvez porque gostasse do embate com um inimigo, talvez porque a quimioterapia estivesse fazendo algum efeito, ou talvez porque gostasse de ver o circo pegar fogo... Provavelmente um pouco das três possibilidades.

Ergui o queixo, e, com muita classe, caminhei até a poltrona em que meu pai estava sentado. Sentei no braço do móvel, ao que Vidal parou ao meu lado, apoiando a mão sobre o encosto estofado. Quem olhasse de fora, certamente associaria a disposição a uma cena de O Poderoso Chefão.

Mais perspicaz do que eu, que ainda ensaiava o discurso na cabeça, o homem ruivo foi quem falou primeiro:

— Olá, Madison. Gostaria de poder dizer que é um prazer vê-la novamente, mas seria mentira, já que agora está ao lado do inimigo. — Ele sorriu.

— Não tenho certeza se também foi um prazer da última vez que nos vimos. — ironizei.

O ruivo riu de uma piada que não contei.

— Desde quando conhece minha filha, O'Donnell? — A boca de meu pai era uma linha fina contida.

— Precisávamos eliminá-la antes que você chegasse nela e a convencesse a fazer o que está fazendo agora, então tentamos algumas investidas... Você entende, não é, Muñoz? Seria melhor se pudéssemos evitar que seu herdeiro legítimo chegasse ao trono. Teria feito o mesmo, se estivesse no nosso lugar.

Os olhos de Muñoz foram estreitando a cada palavra que o capanga do Legado Vermelho cuspia com acidez. Em silêncio, ele buscou uma pistola que estava enfiada em um coldre dentro de seu paletó. Meu pai apoiou a pistola na mesa de centro que jazia à sua frente, o cano voltado para o inimigo, que não esboçou qualquer reação, embora o sorriso em seus lábios tenha diminuído o suficiente para sabermos que ele não estava confortável.

Era a última coisa que poderia acontecer ali, um representante do Legado Vermelho ficar confortável o suficiente para falar com tranquilidade que tentou matar a filha de Anthony Muñoz para acabar com a linha sucessória de La Recocha.

— Eu nem preciso de um bom motivo para não meter uma bala no meio da sua testa — Muñoz comentou casualmente, com um tom de voz contido, que fez a ameaça de morte parecer uma inofensiva observação sobre o céu azul de Los Angeles.

Desvio de CondutaWhere stories live. Discover now