Sete - Flagrante e Outros Problemas (Parte 1)

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Lembrava-me de uma única vez ter presenciado aquela ira cozinhando o belíssimo verde dos olhos de Trevor. A ira tinha causa, razão, circunstância e um nome que trazia incômodo para minha língua: ciúmes. O cara que me acompanhava na ocasião era meu ex-namorado. Aquele de cujos braços destrutivos Trevor tão heroica e providencialmente me resgatou.

Só estava pedindo de volta minha coleção de vinis do Pink Floyd, nada demais. Odiava Hayden com todas as minhas forças, mas o amor por aquelas coisinhas velhas e mofadas que havia herdado de meu avô, o pai de meu pai, era superior. Ele precisava me devolver, simples assim.

Se eu contasse a Trevor que precisaria ir atrás de Hayden, ele jamais aceitaria. Faria um escândalo, daria sermão, lembraria pela milésima vez o quanto era perigoso, contaria aos meus pais. Tudo isso para disfarçar o quanto morria de ciúmes até mesmo da sombra de meu ex. Quem poderia culpa-lo? O cara era mais velho, muito gostoso, o típico bad boy que fazia adolescentes encantadas molharem as calcinhas só pelo fato de respirar.

Trevor, no entanto, não entendia a necessidade que eu tinha daqueles bens materiais, achava que poderia substituí-los por outros, até compraria no sebo mais antigo de Nova York, para satisfazer minha vontade de algo velho e usado, à moda antiga. Não seriam os vinis do meu avô, aquele senhor tão gente boa que me levava para passear no Central Park e tomar sorvete depois da escola, que me deixava comer chocolate antes do almoço, que cuidava de mim quando meus pais tinham um baile de caridade à noite, que me ensinou a andar de bicicleta e, especialmente, a apreciar o bom, psicodélico e velho rock'n'roll. Não, outros não serviriam. Tinham que ser aqueles.

Ignorei os alertas de Trevor a respeito da instabilidade emocional de Hayden e liguei para ele. Marquei um encontro na pracinha que ficava do outro lado da rua do meu prédio. Meu território, minhas regras. Estaria segura ali, se Hayden pirasse, eu poderia simplesmente atravessar a rua e correr para a segurança de nossa cobertura de alto luxo. Tudo perfeitamente planejado, nada daria errado e, ao final do dia, eu poderia ouvir o solo de Shine On, You Crazy Diamond na paz de minha cama, encarando os padrões psicodélicos que a luminária projetava no meu teto. Sem substâncias ilícitas. Sem Hayden. Só Madison.

Eu estava redondamente enganada sobre nada dar errado, é claro.

Hayden tinha certo tipo de magnetismo selvagem que transformava meu cérebro em gelatina, engolia todos os meus neurônios. Eu me transformava em um animal primitivo com hormônios explodindo pelos poros. Um tipo de sensação semelhante à que Dylan me causa, só que menos divertida, mais agressiva. Porque eu era uma adolescente imbecil que não sabia para onde estava virado o nariz. Hayden conhecia como ninguém todos os atalhos para atravessar minhas barreiras desestruturadas e se aproveitar dessa fraqueza.

E ele fez isso naquela tarde.

Achava eu que tinha superado tudo. Mas não tinha. Foi Hayden abrir aquele sorriso maldoso, tão natural de suas feições de menino malvado, que eu me perdi. Havia algo naquele sorriso que me fazia sentir a pessoa mais importante do mundo. Hayden me fazia sentir viva, parte daquela enorme multidão de seres humanos que habitavam o planeta Terra. Eu estava perdida quando ele me encontrou. Hayden não me ajudou a encontrar o caminho de volta pra casa, ele me ensinou um atalho interessante para o inferno.

Ele ainda estava longe, do outro lado da rua, mas já me atingia desde então. A Madison menina comportada foi afugentada pela Madison menina rebelde que só queria saber de jogar tudo para o alto e ser levada ao limite.

Hayden testou meu limite vezes demais, entretanto, mais do que meu corpo e alma eram capazes de suportar.

Quando me aproximei dele, o misto de seu perfume e loção pós barba me acertou em cheio. Era algo familiar. Eu me sentia em casa, embora soubesse que Hayden poderia representar qualquer coisa, menos casa. Ele não era seguro. Mas se usou de todos os artifícios que sabia ter para me fazer sair da linha, querer dispensar o seguro e me aventurar no perigo. Usava uma camisa do Metallica, uma que eu havia dado a ele no Natal anterior. A jaqueta de couro que eu gostava de enfiar o nariz para sentir seu cheiro. Os cabelos loiros estavam mais curtos. Exceto isso, não havia mudado absolutamente nada. Eu não o via há quase seis meses, mas pareceu um dia.

Desvio de CondutaWhere stories live. Discover now