Cinquenta e Nove - Lealdade e Outros Problemas

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Confesso que, depois daquela fatídica noite na cobertura de Benedict Vidal, imaginei que a situação em que me encontrava naquele momento fosse acontecer algum dia.

Sentada em uma cadeira, de frente para ele, as mãos atadas atrás das costas.

O contexto, é claro, dependeria muito do desenrolar dos fatos depois que eu me juntasse a La Recocha em Los Angeles.

A cena poderia muito bem ser a preliminar de mais um noite quente, e, nesse caso, o romance com Dylan teria morrido em algum momento no meio do caminho. E meu próprio romance BDSM de qualidade duvidosa, com meu ex-professor de Direito Penal em Harvard e atual professor de como ser uma mafiosa, estaria a todo vapor.

A outra opção envolvia a descoberta de que eu era uma dedo duro do FBI, de modo que as mãos presas atrás das costas não seriam fonte de excitação, mas obstáculo à minha fuga, para que o ato de enfiar uma bala no meio da minha testa fosse mais prático.

Infelizmente, estávamos diante da outra opção e, daquela vez, dificilmente um segundo milagre me salvaria.

Não havia nada que pudesse fazer, ao final daquela conversa, eu seria morta por Benedict Vidal.

Ele esperou que eu estivesse inteiramente acordada para iniciar seu teatrinho. Tinha o corpo casualmente apoiado na enorme mesa de carvalho que adornava seu escritório. Os braços estavam cruzados na altura do peito. Tinha tirado o terno, que pousava ao seu lado. A gravata estava frouxa, os três primeiros botões da camisa abertos, os cabelos, sempre muito bem alinhados, tinham fios fora do lugar, de uma maneira que beirava a selvageria. Em qualquer outra situação, eu diria que sua pose era puro charme. Naquele momento, entretanto, era pura morte.

A minha, no caso.

Rondando os arredores, provocativa... Culpa da pistola 9mm que, logo notei, jazia ao lado do terno de Vidal. A pistola que ele tinha usado para atirar em Dylan e acertar minha cabeça. Havia uma mancha pequena de sangue no cabo de madrepérola, que fez meu estômago revirar. A lembrança de que... Bem, eu não sabia se Dylan estava vivo ou não... Quase sufoquei ao considerar a hipótese de que tivesse morrido no porão de La Recocha, sozinho, abandonado...

Só perdi o foco do sofrimento por causa de um estardalhaço que se fez ouvir no andar de baixo, a respeito do qual Vidal não deu a mínima. Barulho. Gritaria. Talvez um tiro. Não moveu um músculo daquele rosto irônico.

Serviu apenas como a deixa para ele desatar a falar:

— Para o seu azar, mami, hoje resolvi deixar meu lado fofoqueiro falar mais alto.

Meu estômago revirou mais do que em qualquer outro momento da minha vida ao ouvir o mami naquele tom. Era de desprezo. E conquistar o desprezo de Benedict Vidal quando ele tinha acesso livre a uma arma e tinha me amarrado a uma cadeira, de modo que eu não tinha a menor chance de escapar, era um péssimo cenário.

Morte.

Morte na certa.

Eu estava vivendo meus últimos minutos de vida e nem sabia se o amor dela estava vivo...

Não era assim que eu tinha planejado morrer.

Quando viu que eu não ia responder, Vidal abriu um sorriso de canto e continuou:

— Tony disse que não precisaria da minha ajuda, que poderia lidar sozinho com aquele idiota insistente do Legado, que queria vistoriar a mansão antes da hora. Pensei em dar uma olhada no senhor Campbell... Ops, senhor Carter, enquanto não tinha o prazer de vê-lo morrer, e, ao descer as escadas do porão, qual não foi a minha surpresa ao ouvir... Tiros! Um! Depois outros dois! — disse ele dramaticamente. O sorriso já não era mais de canto, mas escancarado. Surpreso, em sua essência. — Fui um idiota. De plano, pensei que Tommy García tinha enlouquecido, deixado sua impulsividade tomar conta da razão, que tinha enfiado um tiro na testa do rato do FBI. Que tinha tirado de Tony o único trunfo para provar a lealdade de sua filha tão contestada. Depois, sofri mais ainda, porque cogitei a possibilidade de um dos tiros ter sido direcionado a você. Como sofri! Por um ou dois segundos, até chegar à porta do porão, pronto para me deparar com uma cena trágica. Mas acho que foi trágica só para o pobre Tommy García, não é, mami?

Desvio de CondutaWhere stories live. Discover now