Quarenta e Um - Lições de Como Ser Uma Mafiosa e Outros Problemas

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Demorei a dormir naquela primeira noite. E não só porque estava em um lugar completamente novo, com um travesseiro que não era o meu, em uma cama que não era a minha. Aquele travesseiro era melhor do que o que eu tinha em Harvard, e a cama tinha, pelo menos, o triplo do tamanho e conforto daquela. Eu tinha uma sacada com vista para a magnífica piscina, uma televisão enorme, um closet de proporções obscenas, um banheiro com uma hidromassagem dos sonhos. Do conforto que Anthony Muñoz estava me proporcionando, jamais poderia reclamar. De todo o restante do pacote que vinha com o conforto, no entanto... A verdade é que aquela última frase dita por ele, antes que me desse as costas e fosse tratar com um bando estranho que chegou em seu escritório, martelou na minha cabeça madrugada adentro.

Amanhã você conhecerá verdadeiramente La Recocha...

Eu já tinha visto documentários sobre cartéis mexicanos, filmes e séries com chefões do tráfico o suficiente para ter certeza absoluta de que a última coisa que eu gostaria de conhecer, era os bastidores de La Recocha. E o fato de que eu não tinha escolha quanto a isso me tirou mais algumas preciosas horas de sono. Rolei para um lado, rolei para outro, e, quando dormi, o sono era leve e repleto de pesadelos que me envolviam torturando pessoas e manuseando armas. Até que a manhã chegou, trazendo com ela um belo dia ensolarado, que se contrapunha ridiculamente ao meu estado de espírito confuso.

Ainda tinha medo. Receio. Sono. E, principalmente, preguiça. Preguiça de ter que sair daquela cama maravilhosa, do meio dos meus edredons branquinhos e fofinhos, para encarar um mundo do qual não queria fazer parte. Preguiça de ter que fingir que estava tudo bem, que eu queria muito mesmo aprender a me tornar uma criminosa, quem sabe a atirar com armas de calibres proibidos e formas de tortura eficientes para retirada de informação de prisioneiros inimigos. Preguiça de ter que sorrir para Anthony Muñoz, de ter que fazer parecer que era aquilo o que eu queria para a minha vida, que Harvard tinha ficado verdadeiramente para trás. Preguiça de ter que ser uma duas caras, de ter que trair meu próprio pai, ainda que fosse por um bem maior. Não, nesse quesito não era preguiça, era... Reprovação.

Reprovação.

Vinda de mim mesma e do meu senso moral.

Ele estava bastante confuso, assim como eu. Porque, antes de qualquer coisa, meu pai era um criminoso. E eu não deveria me auto-reprovar por querer acabar com seu império mafioso.

Fui obrigada a sair da cama quando a senhora Velasquez bateu na porta do quarto para me acordar. Trouxe com ela um café da manhã completo em uma bandeja, que ela colocou aos meus pés sobre o colchão.

— Espero que tenha dormido bem, señorita Madison. — disse, com as mãos na cintura e um sorriso um tanto maternal nos lábios.

Tentei sorrir com tanta empolgação quanto ela quando respondi:

— Na medida do possível, acho que sim, muito obrigada, senhora Velasquez.

Ela assentiu e me fitou por um instante um tanto longo. Então apontou para a cama e perguntou:

— Posso me sentar?

— Claro.

Puxei a bandeja para o meu colo, analisando o que eu comeria primeiro. Tinha donuts, bagel, ovos, bacon, frutas frescas e um suco de laranja. E eu não tinha fome, meu estômago passou a embrulhar assim que meu cérebro deu-se conta de que era o primeiro de muitos dias de incertezas.

— Eu não a conheço, mas sinto como se a conhecesse a vida toda, porque seu pai fala de você todos os dias, desde que nasceu. Então, por favor, não estranhe o fato de que eu tenho grande carinho pela señorita. — Ela apertou minha mão que pousava ao lado de meu corpo — Sei que deve ser difícil fazer uma mudança tão brusca em sua vida, e mais difícil ainda aceitar as condições de vida de seu pai. Ele pode ser quem é, mas, acredite, dentro daquele peito bate um enorme coração, e esse enorme coração dedica todo o amor a você. Não se esqueça disso. — Concluiu a senhora Velasquez e, antes que eu pudesse responder, saiu, deixando-me sozinha com minha indecisão sobre o café da manhã e sobre quem eu era, o que eu deveria fazer.

Desvio de CondutaWhere stories live. Discover now