Onze - Femme Fatale e Outros Problemas

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Quando eu tinha nove anos, minha mãe foi participar de um congresso de cirurgiões plásticos em Los Angeles, e deixou eu e meus irmãos com meu pai por um final de semana inteiro. Era a primeira vez que ela se afastava de nós por tanto tempo. Era a primeira vez que ficávamos sozinhos com nosso pai. Desde então eu já era capaz de notar certa diferença no tratamento que ele dispensava a mim e a meus irmãos mais novos, contudo sempre achei que fosse uma coisa de meninas para lá, meninos para cá, afinidade mesmo.

Eles gostavam de brincar de luta e de jogar futebol americano, enquanto eu preferia pintar meu livro de colorir da Disney e pentear o cabelo da minha invejável coleção de Barbies. Eventualmente arrisquei-me a jogar vídeo game ou a andar de skate, tentando me enturmar, mostrar para ele que eu poderia ser tão legal quanto meus irmãos. Nunca surtiu o efeito desejado. Não havia entendido o motivo da segregação, até hoje, entretanto. E com o passar dos anos, meu pai apenas se afastou mais, a ponto de quase não mais reconhece-lo. O que me causou, inconscientemente, os futuros problemas da adolescência, ou assim a psicóloga que fui obrigada a frequentar me contou. A questão era que, depois dessa viagem de minha mãe, era eu quem não queria proximidade. Não mais do que o necessário.

Estava passando mal por ter comido pizza demais, com sorvete demais, com refrigerante demais (concessões de um pai pouco cuidadoso com a alimentação dos filhos), e depois correr a gigantesca cobertura toda atrás de Matt e Mark, que, à época, tinham 7 anos cada. Os gêmeos eram terríveis, já nessa idade, não me deixavam em paz. Então, tarde da noite, fui obrigada a levantar pela terceira ou quarta vez para colocar tudo para fora. O banheiro do meu quarto estava estragado, e o mais próximo era o do corredor, ao lado do escritório de meu pai.

Lembro-me de ter caminhado sonolenta até a porta do banheiro, mas parei. Não entrei. De repente o enjoo passou, porque ouvi meu pai falar coisas que jamais imaginei saindo de sua boca tão pomposa e educada. Era sujo, obsceno, o tipo de coisa que uma garotinha de nove anos não deveria ouvir ninguém falando, especialmente seu próprio pai. Espiei pela fresta da porta do escritório e o encontrei sentado em sua imponente cadeira de couro, de costas. O telefone antigo que minha mãe havia escolhido a dedo estava fora do gancho. Seu papo obsceno continuou, e eu achei que ele estava conversando com minha mãe. Preparava-me para ir embora quando ele soltou a frase comprometedora: "Não, gata, ela está em Los Angeles em uma convenção, estamos seguros".

Não era minha mãe.

Não foi necessário mais do que um milésimo de segundo para que juntasse os pontos e entendesse o que estava acontecendo ali: meu pai estava traindo minha mãe. Meu estômago embrulhou ainda mais, e corri até o banheiro, sem me importar se estava fazendo mais barulho do que me era seguro. A sensação que me tomou por inteiro foi de uma queimação desconhecida. Então, quando já estava de volta em minha cama, segura entre meus bichinhos de pelúcia, percebi que era ódio. Revolta. Nojo. Como ele era capaz de fazer aquilo com minha mãe? A mulher que ele jurara amar e respeitar, por todos os dias se sua vida?

Foi assim que eu me afastei ainda mais de meu pai, foi assim que passei a odiar cada centímetro daqueles que eram sujos o suficiente para trair o parceiro que supostamente haviam escolhido para a vida toda. Infidelidade era meu inferno particular, aquilo que mais desprezava.

Então, quatorze anos depois daquele fatídico flagrante, eu havia me tornado uma mulher infiel.

Cruelmente irônico, só para começar. Hipócrita, também. A sensação era... Angustiante.

Havia sido apenas um beijo.

Um intenso, envolvente, vigoroso, poderoso, sensual, carnal, luxuriante... Perfeito beijo.

Desvio de CondutaOnde as histórias ganham vida. Descobre agora