Cinquenta e Oito - Infiltrados e Outros Problemas

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Havia um milhão de maneiras desesperadas de reagir àquela cena.

Eu poderia gritar, chorar, espernear, cair de joelhos ao chão, fazer um estardalhaço, implorar pelo perdão de Anthony Muñoz e rezar por sua compaixão...

Ignorei todas, porque nenhuma me ajudaria a sair viva dali. Eram um atestado de culpa. Além do mais, apostar na compaixão de um homem que já estava farto de ver pessoas, nas quais depositava sua confiança, enfiando facas em suas costas, era suicídio.

Um passo em falso, então, e Dylan teria menos chances ainda de viver. Essa era uma possibilidade com a qual eu não queria trabalhar naquele momento. E em qualquer outro. Estava fora de cogitação.

Ironicamente experiente, puxei de memória as lições de Vidal sobre fingir incontestável plenitude enquanto o mundo pega fogo ao meu redor. Parecia ser a única forma de reagir, tomando em consideração o olhar que Anthony Muñoz me lançou assim que entrei no porão e a porta foi fechada pelo temido Tommy Garcia. A despeito da peculiar situação, Muñoz parecia muito calmo. Talvez aplicando a tática ensinada por Vidal, que eu mesma estava disposta a colocar em prática para tentar enganá-lo. A depender de como eu conduziria aquela conversa, em breve descobriria.

Com rapidez, abri um sorriso confuso.

— Tem algum motivo para o meu namorado estar amarrado no porão de sua casa, pai? — usei meu tom de voz mais inocente.

O tom de voz que eu sabia ser capaz de causar curto circuito no coração de um pai amoroso. Com sorte, ele pensaria duas vezes antes de imaginar que eu tinha conhecimento do que quer que fosse que tivesse descoberto a respeito de Dylan.

O riso nasalado que ouvi Tommy Garcia deixar escapar atrás de mim não abalou minha pose. Pelo contrário, foi o que me motivou a olhar, pela primeira vez, nos olhos de Dylan. Foi só um milésimo de segundo. Mesmo descabelado, suado, sujo de sangue no supercílio, machucado, amordaçado, com os olhos adornados por profundas olheiras, ele estava lindo. E foi capaz, ainda que na adversidade, de me passar, por meio do olhos azuis do Caribe, a força de que necessitava para dar um jeito no problema que eu mesma criara.

Anthony Muñoz passou um instante analisando o modo como meu olhar foi trocado com o de Dylan. Obviamente não me deixei demorar o suficiente para que desconfiasse de mim. Eu era filha dele, mas só me conhecia há poucos meses, se tivesse a menor desconfiança de que estava sendo traído, eu não tinha dúvidas de que daria ele mesmo um tiro na minha cabeça.

— Na verdade... É você mesma quem tem a resposta para essa pergunta — ele disse enfim, com um tom de voz assustadoramente contido.

Esteve o tempo todo parado atrás da cadeira na qual Dylan estava amarrado, e, assim que falou, deu alguns passos à frente, precariamente apoiado na bengala.

Ele não parecia saudável. Aliás, mais doente do que esteve nos dias anteriores, no entanto, não perdeu qualquer resquício de solidez. Era como uma rocha, o homem. Tinha o queixo erguido, a voz era firme, o olhar decidido, jamais abandonando o meu... Eu conhecia aquela tática também. "Encare seu interlocutor o tempo todo, não desvie o olhar, mostre que sabe o que está fazendo e que ele não está mexendo com idiotas. Desafie, apenas desafie...". As palavras de Vidal, ditas durante as lições de como ser uma mafiosa, eram muito frescas na minha memória... E eu tinha sido uma boa aluna.

Anthony Muñoz estava me desafiando a continuar mentindo. Ou a contar a verdade. Em qualquer caso, eu não estava em bons lençóis.

Meneei a cabeça e escolhi muito bem as palavras a seguir:

— A não ser que ele estivesse me traindo com uma garota da faculdade chamada Casey Trent, não vejo motivos para um tratamento tão... Rígido.

Desvio de CondutaOnde as histórias ganham vida. Descobre agora