Cinquenta e Cinco - Luto e Outros Problemas

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Meu coração só tinha doído tanto uma única vez, quando, no hospital, depois da overdose, o médico deu a notícia da perda do bebê que eu nem sabia que carregava. Ele doeu por muito tempo depois, mas foi curando, justamente com a ajuda daquele cuja morte fazia doer muito de novo.

Eu tinha meus problemas com Trevor, e provavelmente não era apaixonada por ele há muito tempo, no entanto, isso não mudava o fato de que devia minha vida a ele, que ele fora meu melhor amigo por anos a fio, e que estivera ao meu lado nos piores momentos. Ele me deu a mão, me ajudou a levantar e a me manter em pé. Seria a pior pessoa do mundo não sentisse sua perda, se não fosse grata pelos bons momentos, a despeito daqueles em que ele tentou me anular. Afinal de contas, os atos abusivos foram o estopim para eu me tornar a mulher que se infiltrava na máfia, que enfrentava mafiosos, que até atirava em mafiosos...

É, estava doendo. Doendo bastante. Não queria passar. Porque eu não tivera a chance de me despedir adequadamente, fosse em seu velório, fosse quando ainda em vida. Pior, da última vez, eu o enxotara da mansão com a atitude grosseira que aquele Trevor merecia. O adolescente, nem tanto. Infelizmente, os caminhos o levaram a se tornar aquele homem um tanto desprezível, e isso fazia doer também.

Sua história havia acabado muito cedo, a despeito de ter buscado, com suas péssimas escolhas, o triste fim.

Vidal tinha me dispensado das aulas naquela semana, porque eu não vinha apresentando condições mentais de aprender sobre a máfia, quando a máfia havia tirado a vida de uma pessoa tão próxima de mim. Os mafiosos tinham alguma sensibilidade, de sua forma distorcida.

Uma semana de letargia se passou desde a reunião com o agente do FBI corrupto, Colin Hughes. Uma semana da morte de Trevor. Aparentemente, sem novidades, porque ninguém tinha aparecido em meu quarto, onde eu escolhera fazer minhas refeições e lamentar a morte precoce de meu ex-noivo durante todo aquele tempo.

Dylan só tinha ligado uma vez, no meio da semana, para checar se eu estava bem. Parecia urgente, provavelmente preocupado com o fato de que tinha um agente do FBI à sua caça, então assegurei que estava, que eu era forte, inclusive perante a morte. Minha mãe prestara visitas todos os dias, Muñoz apareceu duas ou três vezes, cada vez mais debilitado. Até que não pôde mais sair de sua cama, uma infecção nos rins o tinha jogado para baixo.

Foi inevitável sair do meu refúgio, portanto, quando a senhora Velásquez veio avisar que meu pai estava chamando. Nem sequer entrei em pânico com a possibilidade de ele ter me chamado para uma despedida, para me passar o que ele dizia que era meu por direito. Naquela última semana passara cada segundo que não pensava em Trevor especulando meu futuro trágico, que teria início com a morte de meu pai. Doía mais um pouco.

No período de luto, descobri que grande parte da minha dor não era causada pela grande enrascada em que havia me metido. A verdade era que eu tinha desenvolvido carinho pelo homem Anthony Muñoz, dissociado da imagem do chefe de uma organização criminosa impiedosa e implacável. Pelo meu... Pai. Pouco mais de um mês tinha sido suficiente para conquistar um pedacinho gelado do meu coração. Era impossível, àquela altura, não pensar no que teria sido de nós, se meu avô não tivesse separado meus pais há tantos anos...

Entretanto, consideradas as circunstâncias, ele parecia relativamente bem, sentado em sua cadeira de rodas, já que não tinha condições de andar desde a quinta-feira. As olheiras eram profundas, os olhos pareciam saltados no crânio, mas ele ainda tinha um sorriso nos lábios. Não ia se entregar tão fácil, por isso tive que sorrir de volta. E foi o sorriso mais sincero que dediquei a Anthony Muñoz, sem arrependimentos.

Demorei para notar, contudo, que havia outra pessoa na sala. Aquela que eu temia que voltasse, porque sabia que, quando o fizesse, teria notícias. Minha perna estremeceu, assim, de repente, e tive que buscar forças para me manter em pé. Para não transparecer que estava desesperada, mesmo sem nem ter ideia do que o agente corrupto do FBI tinha para dizer. Enquanto andava até uma das cadeiras dispostas em frente à mesa de Muñoz, comecei a rezar para ter a ver com qualquer pessoa, menos com Dylan, menos comigo, para que a Operação Armagedom estivesse muito bem protegida, que o Capitão Rutherford e Lisbeth fossem muito competentes e tudo o mais.

Desvio de CondutaWhere stories live. Discover now