Batman v Superman: A Origem da Justiça (27/03/2016)

18 2 20
                                    

ATENÇÃO: Este é aquele caso de filme em que minha opinião mudou MUITO nos meses subsequentes a ver pela primeira vez.

----------------------------

"Esse é o filme da DC que o público merece, mas não aquele de que precisa neste momento".

Na sentença acima, considere "público" quem acompanha regularmente filmes de super-heróis sem conhecer muito o material original, não os fãs da DC Comics.

Parafrasear essa fala do "The Dark Knight", desde o caminho voltando para casa do cinema na minha cabeça, me parece a melhor maneira de descrever "Batman vs Superman" e as críticas que vem recebendo.

É difícil deixar de lado a minha visão de fã da DC Comics para falar do filme. Como quem escreveu por anos fanfics em que Batman e Superman se encontram em outras mídias que não os quadrinhos, o filme empolga, e muito. Sem contar que lança as bases para todo o resto do universo cinematográfico da DC.

E é mais um filme com o estilo Zack Snyder de se contar uma história. Há uma profundidade maior, problematizações, questões mitológicas e filosóficas - sem ousar tanto em escavá-las até o fundo, claro (e, em alguns pontos, até correndo o risco de embananá-las como o Lex na cena do discurso), mas ao menos lançando-as ao público e tornando mais consistente a ação a ser mostrada. Quais as repercussões de um Messias chegar à Terra? Qual a natureza do poder? É válido que um "Super-Homem" exista? Deus pode realmente ser justo? Não pude ocultar diversos sorrisos ao ver essas questões sendo debatidas na tela - levando um mero filme de histórias em quadrinhos a um outro nível. Até o astrofísico Neil DeGrasse Tyson aparece para discutir o papel de nossa espécie num universo dominado por superseres...

Mas aí vem um problema, que não é do filme em si, mas do público a que se destina. Não apenas fãs da DC Comics aos quais foi merecidamente direcionado um intenso fanservice, mas o público de blockbusters e, mais precisamente, filmes de heróis.

Mudando para essa óptica, pode-se considerar Batman Vs. Superman um filme tremendamente arrastado para os padrões vigentes. E isso explica o fato de as opiniões sobre ele, dentro e fora da Internet, estarem tão divididas. Muitos estão indo assistir esperando a briga entre os dois heróis-título (e muito dos trailers e material promocional vendem bem essa ideia), mas ela demora a vir e nem é parte essencial da trama (descrevei mais sobre isso adiante). A quem está acostumado às tiradas e clima bem-humorado dos filmes da Marvel, Batman Vs. Superman está fadado a se tornar o "filme chato com 2 horas de enrolação até começar a porrada" - e vamos ouvir muito isso ainda.

Isso seria um problema? A mim e outros espectadores que gostam de um filme épico e com mais profundidade, de modo algum. Mas é um ponto a se pensar como a Warner tratará isso daqui em diante. Há anos seus produtores pisam em ovos quanto a estabelecer um universo cinematográfico capaz de concorrer com a rival, e a tendência a "considerar demais as críticas" faz com que eu tema os próprios passos que darão. Em "Homem de Aço", a destruição em grandes proporções na luta final entre Superman e Zod de certo não era um recurso a ser problematizado pelo roteiro - mas por conta de toda a reação do público, nesse novo filme ela se torna um dos motes dos acontecimentos, quase uma quebra de quarta parede na hora de definir as motivações da história. Se agora criticam Batman vs Superman por "se levar a sério demais" ou "ter muitas referências de quadrinhos", torço para que não alterem o tom dos próximos filmes numa tentativa de "se adequar" a uma parcela do público e crítica. A DC/Warner já mostrou que tem competência para fazer seus filmes. Só precisa insistir na segurança. Que insista nesse tom, para que o público perceba não só merecer, mas também precisar de uma variação do gênero super-herói no mercado.

Feitas essas considerações gerais, vamos a alguns pontos específicos:

- Ben Affleck já pode ser considerado o Batman definitivo. Queria ter visto mais do universo de Gotham, mas foi perfeitamente compreensível ter sido enxuto devido ao filme já abarcar bastante coisa. Mas merece, sem dúvida, uma série solo.

- Gal Gadot excelente como Mulher-Maravilha, mas infelizmente teve pouco tempo para marcar presença. Até mesmo no final achei que foram bem econômicos em mostrá-la. Filme solo a caminho, OK, porém teria sido bacana ver mais dela.

- Henry Cavill continua fazendo um bom Superman, embora dos 3 personagens principais seja o mais prejudicado pelo roteiro. E poderiam ter acabado de vez com a coisa do Superman/Clark Kent. Não é necessário para a história e inclusive cria alguns furos.

- Infelizmente erraram DE NOVO a mão no Lex Luthor no cinema. Não quero mais ver versões pateta/palhaço do personagem - que por mais que tenha desta vez surgido melhor contextualizado e ardiloso como deve ser, ainda parece carregar aquele fantasma do Gene Hackman, só que adaptado ao séc. XXI. O ator é bom, então acho que foi coisa do roteiro e da construção do personagem. No começo achei que seria interessante explorar um Lex mais novo, mas um ator mais velho fez falta. Achei-o muito deslocado do resto da história em algumas partes.

- A luta entre Batman vs Superman não me agradou por uma série de motivos:
* Motivações mal exploradas. Até certo ponto o confronto de ideias entre o Batman e Superman ia bem, porém resolveram não apostar no choque de visões de mundo e criaram a subtrama do sequestro da mãe do Superman para "forçá-lo" a ir atrás do Batman. Me irrita isso de sempre terem de jogar com a coisa do ente querido para motivar esses confrontos (coisa que, aliás, já estou meio que vendo acontecer também no Guerra Civil da Marvel, em relação ao Bucky). Num filme que já dialoga mais com temas de filosofia, não precisariam ter se acovardado em colocar os dois se batendo principalmente por discordar a como agir. E sim, poderiam ter mantido a manipulação do Lex, mas mais sutil.
* Luta muito breve e localizada dentro do filme. Pra qualquer fã da DC, é o máximo fanservice botar Batman e Superman para brigar, mas achei muito com cara de "Estamos criando este momento do filme só para ter a briga". Tinha a expectativa de os confrontos entre os dois personagens serem mais distribuídos e presentes em outros pontos do filme (como aquela cena do batmóvel nos trailers, que no final engana), não só no momento e modo como aconteceu.
* Resolução muito rápida e frouxa - e isso reflete as próprias motivações da luta serem toscas. A sacada do nome da mãe foi até interessante (NUNCA havia percebido que tanto a mãe do Bruce quanto a do Clark se chamavam Martha), porém tudo acabou rápido demais e, pior: o Batman já estava se declarando amigo do Super quinze minutos depois de quase tê-lo matado com extrema brutalidade. Enfim, não gerou um bom ritmo nem ficou muito convincente. TALVEZ a luta entre os dois personagens poderia ter sido evitada desde o começo, afinal de contas. Forçar dois personagens normalmente aliados a se bater sem um bom contexto, só para atrair holofotes, geralmente dá nisso.

- No geral, gostei de todas as referências e pistas de outros personagens. Talvez só a cena da Mulher-Maravilha examinando os arquivos eu faria menos gratuita, mas OK. A aparição do Flash para o Batman foi ótima e mostra que eles já planejam coisas a longo prazo. E também sorri ao notar o personagem do Anatoli Knyazev (o russo aliado do Luthor que estava vigiando a mãe do Clark após o sequestro), que é nada mais nada menos que o vilão KGBesta das HQs. Eu praticamente fiz meu TCC sobre esse personagem, analisando como os soviéticos eram retratados nos quadrinhos oitentistas do Batman. Modernizaram o personagem e retiraram dele toda a parafernalha anticomunista, mas ele está no filme, hehe!

- A trilha do Hans Zimmer funciona, só a achei um pouco alta demais e extravagante em determinados momentos que não ornaram bem. Mas acerta em estabelecer melodias próprias de cada personagem, reutilizando a do Superman do filme "Homem de Aço" e criando outras marcantes para o Batman e a Mulher-Maravilha. Torço para que essa identidade musical se mantenha, só um pouco mais dosada.

Enfim, firme segundo passo para o universo DC nos cinemas. Só precisa manter-se firme após a poeira do impacto baixar para insistir na própria identidade e continuar entregando algo de qualidade - e diferente - a um público acostumado (e, no meu caso, saturado) a filmes de heróis num formato só. E que venha Esquadrão Suicida para expandir mais um pouco esse cenário.  

GOLDFIELD - Nerdices e análisesOnde as histórias ganham vida. Descobre agora