Capitã Marvel (10/03/2019)

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Assisti ontem.

Primeiramente, fica meu desapontamento com o Cine A de São José do Rio Pardo – SP: se já evitava ver filmes nele devido à obrigatoriedade do 3D e ao predomínio de sessões dubladas, em "Capitã Marvel" precisei enfrentar atraso no início do filme, o 3D completamente disfuncional (por algum defeito que desconheço, o filme embaçava ou se distorcia com ou sem os óculos) e a falha no som em dois momentos, deixando o filme mudo por alguns instantes e gerando a perda de um ou dois diálogos. Diante do desserviço, infelizmente não pretendo voltar.

Mesmo com esses percalços, ainda assim consegui, no geral, assistir ao filme de forma coesa.

"Capitã Marvel" tem gerado polêmica desde antes de seu lançamento (e, sendo tragado pela toxicidade atual do meio nerd, foi criticado por muitos antes mesmo de assisti-lo), principalmente pela questão da representatividade que carrega – trata-se do primeiro filme da Marvel com uma heroína no papel de liderança. Isso gerou uma onda de ódio contra a produção, acusando-a de "lacração", "pauta feminista", desencadeando um boicote ao filme em sites de críticas e à própria atriz no papel principal.

Levando isso em conta, é bom deixar claro que a representatividade, de longe, não é o problema de "Capitã Marvel". Até considerando que, nos quadrinhos, a personagem ganhou crescente destaque, com o tempo, justamente no intuito de através dela dar maior destaque a uma super-heroína. Portanto, é triste ver que o filme, por não estar sendo muito bem recebido devido a outros aspectos, acabe fortalecendo essas críticas feitas pelos motivos errados.

O problema de "Capitã Marvel" é que o roteiro é fraco. E isso compromete até o papel de representatividade que o filme traz, fazendo com que a concorrência, no filme da "Mulher-Maravilha", ainda seja superior (por mais que eu também tenha problemas com ele – principalmente o final).

Vamos às razões disso. A partir daqui, teremos os habituais SPOILERS:

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- O filme é não linear, ou seja, não conta sua história em ordem cronológica. Ele começa com Carol Danvers sendo parte da Starforce do povo Kree, e vai aos poucos estabelecendo suas origens por flashbacks – literalmente, já que eles surgem mesmo como lances de memória da personagem. A princípio isso não é ruim: há filmes de super-heróis não lineares, como "Batman Begins", que funcionam perfeitamente. O problema é que esses flashbacks, aqui, não são bons. Pior: eles traem a expectativa criada em cima dos trailers e da divulgação do filme, que davam a entender que haveria maior enfoque no treinamento e nos obstáculos que Carol passou para se tornar pilota da Força Aérea. Tudo é muito corrido, vago e, o pior: quando é explicado, ocorre mais por diálogos. Bola fora do enredo, que poderia ter gerado empatia muito maior com a personagem se desacelerasse para explicar melhor seu passado e motivações. Melhor ainda: pautar melhor uma crítica às desigualdades entre homens e mulheres.

- O roteiro tem uma série de outros problemas. Até quase metade do filme, o ritmo é extremamente arrastado. Sequências como o ataque à base Skrull e a fuga da nave parecem não ter inspiração – são batidas e extremamente burocráticas. Aliás, a ação do filme, no geral, destaca-se muito pouco. Quando Carol chega à Terra e é abordada por Nick Fury e a SHIELD, as coisas continuam corridas demais e inúmeros buracos de roteiro surgem. Como um agente treinado do governo, que segundo o roteiro está tendo contato com uma alienígena pela primeira vez, leva-a livremente ao coração de uma importante instalação do governo de pesquisa militar, com o intuito de prendê-la apenas lá? Mais à frente, mais incongruências surgem (e se eu tiver entendido alguma parte do filme errado, me corrijam): como Carol e sua amiga Maria Rambeau possuem flashbacks saindo de caças e até possuíam cockpits personalizados com seus nomes, se ao mesmo tempo eram proibidas de pilotar na Força Aérea e apenas a doutora Lawson lhes deu essa oportunidade testando seu jato?

- Lá pela metade do filme, há uma reviravolta interessante envolvendo os Skrulls, que passam de vilões a refugiados (interessante analogia com tudo que tem ocorrido no Oriente Médio na última década – e que acaba saindo melhor crítica social que a central à qual o filme se propõe). Yon-Rogg, o mestre de Carol na Starforce, também se torna um personagem dúbio, tornando as coisas mais interessantes. Daí em diante, a experiência melhora consideravelmente, as cenas de ação finais do filme sendo um pouco melhores que o geral. Ainda assim, elementos como Ronan, o Acusador, mal dar as caras, também me incomodaram – e por mais que entendamos ter Carol adquirido total poder na reta final e representado ameaça considerável aos Krees, a última luta poderia ter sido mais que ela atirando uma ogiva de volta aos inimigos e trespassado suas naves – a maneira como tudo é resolvido contribuindo para mais um aspecto da produção ter ficado extremamente corrido.

- O pior ponto do filme, no entanto, é ser incoerente com o próprio arco de personagem que tenta estabelecer. Desde a primeira cena, é jogado ao espectador, pelos diálogos, que Carol é instável, não se apropria de sua verdadeira força, e é "dominada pelas emoções" – esses, no mundo real, rótulos geralmente atribuídos às mulheres. A jornada da Capitã seria mais interessante se a personagem acabasse manifestando essas características inicialmente – não, aliás, por naturalidade, e sim pelo meio que a circunda assim denominá-la, fazê-la acreditar nisso, como também sabemos ocorrer na realidade. Acontece que, em nenhum momento do filme, Carol sequer manifesta as fraquezas que lhe imputam. Ela já é bastante poderosa em relação aos adversários (só considerar a fuga da nave Skrull), focada em seus objetivos (ela aceita seguir com sua missão na Terra, distante do resto de sua tropa, apenas para deter os Skrulls – até então vistos como ameaça) e não age por impulsos emotivos – a ponto de manter a racionalidade quanto a não usar seus poderes gratuitamente na frente do Fury, como numa cena envolvendo o arrombamento de uma porta. Enfim, ela já tem todas as características que a tornam uma super-heroína, o que torna a construção dessa linha de história um tanto forçada – e nisso o roteiro poderia ter tentado outra abordagem. Há, sim, o aspecto abusivo de ela ser subjugada por Yon-Rogg e os Krees, mas a grande questão é que isso não se manifesta propriamente em sua jornada na forma do descobrimento de poderes ou capacidades – apenas na reconquista de suas memórias e no assumir de uma forma extremamente mais poderosa nos últimos instantes de filme. Isso reforça o sentimento de incompletude que, no geral, o filme transmite.

- Como sempre, o filme, como outros da Marvel, pesa demais a mão no humor. As piadas são excessivas em certos pontos e até arruínam algumas cenas. Porém, um ponto bastante criticado foi do meu agrado: a explicação sobre como Nick Fury perdeu um olho. É uma quebra de clichê, apesar de tudo. E incorpora algo divertido e inusitado ao personagem.

- Por fim, foi criada grande expectativa, sobre este filme, quanto a ser uma ponte a "Vingadores: Ultimato". Talvez seja até um de seus problemas, devido à cobrança criada por ser um filme de origem de personagem, geralmente mais modesto, interligando duas grandes produções de equipe de heróis. A razão da Capitã ter deixado a Terra foi, sim, convincente – embora seu retorno, ao menos como mostrado na cena pós-créditos, muito súbito. Espero que "Ultimato" volte um pouco no tempo e mostre o que ela fazia no universo quando o pager dado por Fury apitou. Melhor ainda: como o estalar de dedos de Thanos afetou os refugiados Skrulls que ela jurou ajudar. Fica a torcida para que, em filmes solo futuros (pois, numa produção carregada como "Ultimato", isso será difícil), Carol Danvers seja melhor estabelecida como heroína. É provável que isso aconteça, passada a insegurança de seu filme de origem – que preferiu apostar no certo, e com isso falhou em diversos pontos, a voar pelo céu junto com sua protagonista.

GOLDFIELD - Nerdices e análisesWhere stories live. Discover now