Coringa (16/10/2019)

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Assisti ontem.

Primeiramente, preciso avisar que "Coringa" é um filme denso, de muitas nuances e um impacto duradouro, então pode ser (na verdade, é provável) que eu desenvolva reflexões nos próximos dias ou semanas não inclusas aqui. A certeza é: ainda falaremos deste filme por algum tempo.

Após uma extensa safra (e saturação) de filmes baseados em quadrinhos, há algum tempo vemos propostas que afastam esses personagens das fórmulas do gênero, apostando em filmes que são praticamente o que as graphic novels são às HQs mensais: não têm comprometimento com cronologia (no caso, dos outros filmes com os personagens), possuem tom ou proposta diferentes dos filmes regulares (geralmente mais leves e até infantis – e "Coringa" definitivamente NÃO é um filme para crianças e pré-adolescentes, até mesmo acompanhados) e se propõem a ser, diversas vezes, estudos de personagem. "Logan", em 2017, já foi um exemplo disso. Agora é a vez da DC, que, já conhecida por seus filmes de tom mais sombrio, afastou-se das tentativas de imitar o MCU para contar uma obra fechada e sem amarras sobre seu vilão que mais atrai público.

A análise estará toda recheada de SPOILERS. Então caso não tenha assistido ainda, pare por aqui.

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AFLIÇÃO

Não encontro outra palavra que possa resumir minha experiência com este filme – e tenho tudo para acreditar que essa tenha sido a exata intenção de seu diretor, Todd Phillips.

Vi os trailers, assisti a muitos vídeos de comentários, tomei spoilers. Mas isso não reduziu em nada a experiência sufocante que "Coringa" é.

Em primeiro lugar, temos a melhor caracterização de Gotham City como um dos piores lugares do mundo para se viver em qualquer mídia cinematográfica. Tim Burton tentou isso com sua versão gótica e sombria, mas ainda assim havia todo um clima noir, de estética reinventada de filmes de gangsteres dos anos 1940 aliadas a elementos do 1989 em que se passava o filme, que tornava a atmosfera mais atrativa e inofensiva do que intimidadora. Gotham ser uma "Gomorra" merecedora de ser destruída como síntese da decadência da civilização foi algo muito frisado pela Liga das Sombras em Batman Begins e continuações, mas a corrupção era mais frisada no âmbito das instituições, a pobreza e mazelas sociais mais restritas ao bairro "Narrows" mostrado em Begins e que nunca mais reapareceu, deixando de lado o que o povo comum da cidade poderia estar passando.

Bem, a Gotham de "Coringa" te esfrega na cara não ter absolutamente nada de bom, mas faz isso de uma maneira diferente. Apesar do primor da recriação dos anos 1970 na ambientação merecer aplausos, a cidade em "Coringa" ganha sua pior faceta de todas não pela arquitetura distorcida ou os desvios das autoridades serem revelados. A podridão desta Gotham está na sua dinâmica social.

Para além de ser encarado como panfleto político, coisa que não deve ser feita (voltarei a isso adiante), a Gotham de "Coringa" se baseia em dois parâmetros: um extremo individualismo e o abismo entre classes sociais. No primeiro caso, praticamente todos os personagens, com raríssimas exceções (como a vizinha de Arthur) são movidos por uma extrema falta de empatia que beira o caricato. De um lado, temos os ricos preocupados em manter sua posição e pouco se importando com os problemas das classes baixas a não ser por discurso eleitoreiro (incluindo a Família Wayne, aqui também corrompida e que faz até com que percamos nosso abalo diante da tragédia que originou o Batman). De outro, temos uma classe baixa embrutecida pela busca diária de sobrevivência que só é capaz de se unir perante um rompante extremo de violência que indique sua emancipação.

GOLDFIELD - Nerdices e análisesWhere stories live. Discover now