Tolkien, Martin, Fantasia Medieval e o Brasil de Hoje (18/02/2013)

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NOTA: Texto transposto ao Wattpad em setembro de 2018, mas escrito no início de 2013. Nada mudou.

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"Há algo velho e verdadeiro na fantasia que fala com algo profundo dentro de nós"(George R. R. Martin).

Nos anos 1950, John Ronald Reuel Tolkien (seu nome muito mais conhecido por suas iniciais: J. R. R. Tolkien) iniciou a publicação de sua obra "O Senhor dos Anéis". Mais que fruto de um vasto estudo de linguística e mitologia, o livro dividido em três partes, assim como todo o conjunto de sua obra sobre a Terra-Média, que inclui outras publicações como "O Hobbit" e "Silmarillion", tornou-se um marco na ficção literária e uma das criações mais influentes da história da literatura, criando um padrão para as obras da chamada "fantasia medieval" que se consolidaria nas décadas seguintes, gerando inúmeros livros e filmes que tiveram inspiração na jornada de Frodo, sem contar os games e o sistema de RPG "Dungeons & Dragons". O papel de Tolkien na formação da chamada atualmente "cultura nerd" foi, assim, maciço.

Nos anos 1990, o estadunidense George R. R. Martin, então roteirista de TV e já autor de alguns romances de ficção científica, iniciou a escrita de sua saga de fantasia medieval "Canção de Gelo e Fogo", em 1996 sendo lançado o primeiro livro, "A Guerra dos Tronos". Tendo sem dúvida uma influência de Tolkien, a obra de Martin, porém, mostra-se uma fantasia medieval mais adulta e densa, tendo por base um realismo histórico mais pautado no que foi realmente a Idade Média europeia. A série, ainda inacabada, teve em 2011 seu quinto livro lançado, "A Dança dos Dragões", e o autor ainda publicará dois livros até finalizá-la.

Este texto não foi escrito para comparar Tolkien a Martin – paralelo que, quase sempre que realizado, redunda em conclusões vagas e extremamente parciais. Ambos escreveram fantasia medieval com extrema maestria, mas com enfoques diferentes – e devem ser apreciados na riqueza própria que cada um conseguiu fornecer aos mundos que criaram. Também não se leva em consideração, para o paralelo que será feito neste texto, as opiniões e crenças políticas dos dois autores, sendo que estas provavelmente divergiriam de alguns pontos abordados a seguir, principalmente as de Tolkien.

O objetivo deste comentário é analisar metaforicamente os mundos fantásticos criados por Tolkien e Martin – a Terra-Média e Westeros, respectivamente – e analisar como eles podem ser comparados em essência, na época em que se passam as histórias narradas em cada um deles – ao Brasil atual.

Partimos do pressuposto de que as obras de arte – seja livros, filmes, seriados, animes, histórias em quadrinhos ou qualquer outro meio de expressão – devem ser interpretados com certa dose de abstração, principalmente no mundo de hoje em que a obra de arte é quase indistinguível da mera mercadoria. Ao invés de consumir bens da indústria cultural apenas pelo próprio ato de consumir – como infelizmente muito ocorre hoje dentro da chamada "cultura nerd", em que o consumo pelo consumo de artigos ditos "nerds" muitas vezes acaba alienando o indivíduo – é necessário e sadio que a arte gere reflexões em quem a aprecia, permitindo traçar paralelos com o mundo real, a existência humana e, assim, dando sua contribuição ao próprio filosofar.

Antes de mais nada, inicio este paralelo com uma semelhança que observamos nas obras de Tolkien e de Martin. Não queremos com isso comparar as duas, mas sim partir de uma característica comum a ambas que será vital para a comparação dos dois mundos fantásticos dos autores com o Brasil de hoje: o conceito do mal adormecido.

Em ambas as obras, os autores trabalham com uma ameaça latente e esmagadora à realidade dos personagens, que, apesar de existente e perigosa, surge como uma sombra sobre cada um dos universos. Essa ameaça já existiu no passado e ameaçou toda a existência de cada um dos respectivos mundos, tendo então sido derrotada e aprisionada. No senso comum (ou seja, o pensamento compartilhado pela vasta maioria da população, geralmente por consenso e sem muita crítica a respeito) tanto da Terra-Média quanto de Westeros, essa ameaça foi definitivamente derrotada e não apresenta mais risco a ninguém; enquanto, na verdade, ela se reorganiza e retorna pouco a pouco, aproveitando-se da ignorância – ou até mesmo conivência – da população para instaurar-se novamente, com forças redobradas.

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