A Rainha do Ar e das Sombras - Saga o Único e Eterno Rei (28/05/2014)

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Breve consideração sobre o primeiro livro da saga, "A Espada na Pedra" (24/05/2013): Extremamente recomendado, principalmente para quem gosta de literatura infanto-juvenil (Como Harry Potter ou Percy Jackson). Esse livro tem tudo: aventura, comédia, ótimas alegorias (criticando o totalitarismo e as guerras, por exemplo), mostra o funcionamento da cavalaria e do sistema feudal, tem verdadeiras aulas de anatomia e biologia através das falas do Merlin ensinando o Arthur...

Agora é ler os demais da série - sendo 5 livros no total, acompanhando o Rei Arthur até sua morte. Espero que logo sejam lançados no Brasil como parte dessa republicação.  

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Depois de achar o livro na Feira do Livro de Poços de Caldas, finalmente li o segundo volume da saga arthuriana de T. H. White, "O único e eterno rei" (The Once and Future King - termo que eu acho difícil traduzir literalmente para português, hauahauahaua).

"A Rainha do Ar e das Sombras" é menos infantil que o primeiro livro (com Arthur criança sendo educado pelo Merlin), e já começa a ganhar os contornos sombrios que a história do rei tem nas lendas, principalmente na versão de Thomas Malory - que White usou como base.

Agora, um Arthur jovem tem que lidar com as rebeliões de seus vassalos, principalmente dos escoceses, aqui identificados com os gaélicos (celtas), comandados pelo Rei Lot, que não aceitam Arthur principalmente por ele ser de cultura normanda, diferente da sua. Mas, para além da questão étnica, o livro, misturado História e mito, faz um questionamento sobre as verdadeiras razões para as guerras, sendo que no caso os líderes gaélicos estariam levando seu povo à guerra mais por capricho dos nobres, que viam a guerra como esporte tal qual a caça ou a falcoaria, do que realmente por necessidade - sacrificando seus comandados no processo.

O próprio Arthur, no começo do livro, tem essa mesma visão, que herdou do pai Uther - mas é pouco a pouco ensinado por Merlin sobre as tragédias e infortúnios que uma guerra traz - até da metade em diante da narrativa começar a esboçar a Távola Redonda, um grupo de guerreiros que levaria combate àqueles que quisessem fazer guerra por motivo injusto.

Além das partes de Arthur, o livro destaca o núcleo narrativo da Rainha Morgause, esposa de Lot, e seus filhos Gawain, Gareth, Agravaine e Gaheris - ainda crianças. As partes abordando os quatro irmãos são as mais fantasiosas e bem escritas do livro, embora destoem um pouco das partes de Arthur - parecendo até serem obras separadas. Nelas temos a narração de mitos da cultura gaélica e entendemos a razão de personagens como Gawain e Agravaine se tornarem vilões mais à frente na saga - devido à maneira como a mãe os trata.

Permeadas a essas partes mostrando a família de Morgause, temos a reintrodução do "alívio cômico" da saga, Sir Pellinore (criação de White, não existindo na lenda), acompanhado de seus amigos Sir Grummore e Sir Palomides (um mouro em plena Bretanha, o que achei bem interessante - e o autor conseguiu trabalhar bem esse estranhamento no livro).

Mas o ponto forte da narrativa ainda é a brilhante ideia de, na História, o mago Merlin viver "de trás pra frente", tendo nascido no futuro e com isso envelhecendo para o passado - justificativa que o autor encontrou para inserir referências e passagens sobre o século XX, tecendo críticas e reflexões sobre a época que vivia usando o mito arthuriano como plano de fundo e contraponto.

"O Único e Eterno Rei", afinal de contas, fala mais sobre o Nazismo e a Segunda Guerra Mundial do que o próprio período medieval, se formos parar para pensar - e nisso reside a grandeza da obra.

Abaixo, meu trecho preferido:

Kay, irmão de Arthur, numa discussão com Merlin sobre "razões válidas" para se fazer a guerra, fala que talvez seja válido guerrear para impor ideias que alguém ache corretas a outras pessoas. Merlin, sabiamente, responde:

"- Muito interessante - comentou, com voz trêmula. - Muito interessante. Havia um homem exatamente assim quando eu era jovem, um austríaco que inventou uma nova maneira de vida e se convenceu de que era quem ia fazer a coisa funcionar. Tentou impor sua reforma pela espada e mergulhou o mundo civilizado na miséria e no caos. Mas o que esse sujeito tinha esquecido, meu amigo, era que ele teve um predecessor nesse negócio de reforma, chamado Jesus Cristo. Talvez possamos supor que Jesus sabia tanto quanto o austríaco sabia sobre isso de salvar as pessoas. Mas o estranho é que Jesus não transformou seus discípulos em tropas de ataque, nem queimou o Templo de Jerusalém e nem pôs a culpa em Pôncio Pilatos. Ao contrário, dele deixou claro que o trabalho do filósofo era tornar as ideias acessíveis e não impô-las às pessoas".

E aí, alguém sabe quem é o austríaco citado, hehe?

E fica a reflexão de White sobre a religião: será que, em tempos tão intolerantes, não vemos alguns seguidores agindo como tropas de ataque sobre outras pessoas?  

GOLDFIELD - Nerdices e análisesOnde as histórias ganham vida. Descobre agora