Assisti ontem.
O principal comentário que tenho sobre o filme é: depois de 17 anos da leva atual de filmes de super-heróis (iniciada, dentre outros, pela própria série X-Men), finalmente estamos diante de um "filme graphic novel".
Não estou contando adaptações como SinCity, V de Vingança ou o Watchmen porque, por terem sido já concebidos desde os quadrinhos para esse tipo de formato, os filmes logicamente seguiriam o modelo. Falo, no caso, o primeiro filme "graphic novel" usando personagens de séries regulares de quadrinhos.O sentido de "graphic novels" que estou utilizando aqui são aquelas histórias mais fechadas, podendo ou não se encaixar na continuidade normal dos personagens, e por isso tendo pouco compromisso com cronologia ou eventos anteriores. Daí o autor ter uma liberdade maior para matar/introduzir personagens, criar os famosos "universos alternativos" ou contar histórias e explorar os personagens a um nível que os quadrinhos regulares geralmente não permitem. Por isso mesmo, graphic novels costumam ter um tom mais adulto/denso que os quadrinhos normais, e um aspecto mais autoral do roteirista.
Pois bem, "Logan" foi basicamente isso, mas em formato de filme.
Tudo no filme tem um tom diferente do que já vimos até aqui: violência explícita (parte do "efeito Deadpool", com a Fox percebendo que filmes de heróis com censura alta também geram bilheteria, e resolvendo arriscar mais), personagens que realmente morrem e têm o peso de suas mortes sentido na narrativa, até mesmo a metalinguagem de usar HQs no enredo e Wolverine negá-las a todo momento como "invenção" (de certa forma também transpondo isso aos filmes anteriores, sendo que o mundo real - e cruel - seria o mostrado nesse novo filme).
Também não se prende a amarras de cronologia (ainda mais considerando a cronologia tão confusa dos filmes dos X-Men, e fazer inserções para encaixá-lo nela com certeza diminuiria a qualidade do filme), deixando ao espectador interpretar o futuro mostrado pelo roteiro como um cenário possível a qualquer das cronologias dos filmes que se considerar; e deixar apenas subentendido os acontecimentos que levaram a ele, sem longas explicações ou flashbacks, também foi um acerto excelente da história, que é coesa e bem amarrada.
Vamos a alguns pontos mais específicos...
POSITIVOS:
- Interpretação mais condizente do Wolverine em 17 anos, com o Hugh Jackman mostrando como amadureceu bem no papel e como finalmente entenderam o personagem e o universo que o cerca. A violência, que é bastante gráfica e chocante (definitivamente NÃO É um filme para crianças, nem mesmo indo assistir com os pais) também se insere nisso. O triste: termos esse acerto apenas no último filme com o Jackman como o personagem, devido a decisões de produtores e lógica de bilheteria que impediram tudo isso nas adaptações anteriores.
- Todos os demais personagens são bons e funcionam: o Xavier (ótima interpretação do Patrick Stewart, que nos faz rir e chorar mostrando todo o declínio do Professor Xavier, embora ainda mantenha sua serenidade e esperança), a X-23 (muito bem inserida no roteiro e com uma cativante interpretação da atriz), o Caliban, os vilões (só notei um aparente erro de continuidade entre a cena pós-créditos do X-Men Apocalipse e esse filme, já que no primeiro era a "Corporação Essex" que havia se apoderado do DNA do Wolverine, e no Logan essa corporação é citada como Alkali ou Transgen, mas isso dá pra relevar - até porque é bom o filme ignorar essas amarras), a família na fazenda (perda que eu mais senti no filme todo!), e as demais crianças mutantes.
- O filme fecha muito bem o clico do Wolverine visto no cinema até aqui, sem pontas soltas (nem cena pós-créditos o filme tem), sem medo de ousar matando personagens queridos e o próprio protagonista. Aliás, as cenas finais, deixando claro o desgaste físico do Wolverine e em como ele é incapaz de liquidar inimigos que antes liquidaria facilmente, foi o ponto que mais me marcou. Ao final, foi o filme que mais humanizou o personagem, inclusive em sua morte.
NEGATIVOS:
- Não gostei do modo como o Charles Xavier morreu - embora entenda que se encaixa muito bem na temática do filme: trágica, crua e realista - e não poderia ter sido muito diferente. No meu caso é reclamação de fã querendo um fim mais digno ao personagem.
- Geralmente não gosto de roteiros que coloquem o personagem principal enfrentando um equivalente maligno com os mesmos poderes - acho uma coisa meio preguiçosa e forçada. No caso, estou falando do clone do Wolverine que há no filme. Ele serviu, porém, para mostrar o contraste que o Logan tinha no auge da forma e como ele decaiu envelhecendo - coisa que fica evidente principalmente no final do filme. Até funcionou, mas me pergunto se não haveria outra opção aí - embora entenda que eles devem ter pensado 100 vezes antes de fazer algo que imitasse a Lady Lethal, o Dentes de Sabre ou, pior, o Deadpool do Wolverine Origins.
Enfim, ótimo filme, despedida digna do Hugh Jackman (que só deixa a sensação triste de que poderíamos já ter visto algo tão bom anteriormente) e aula para outras produtoras e cineastas sobre como fazer filmes alternativos envolvendo super-heróis.Fica a esperança de, no mesmo estilo, ver um dia filmes beberem em universos alternativos como "Marvel 1602" ou "Superman: Entre a Foice e o Martelo" e criar boas histórias, descompromissadas quanto a cronologia ou restrições criativas, para dar novas faces aos personagens de que tanto gostamos.
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GOLDFIELD - Nerdices e análises
Non-FictionLivro de não-ficção criado para unir críticas, análises e comentários de minha autoria sobre filmes, games, seriados e outras mídias relacionadas ao meio nerd/geek. Atualização constante com novos textos.