Watchmen - Seriado (20/12/2019)

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Vamos falar da melhor coisa a que assisti este ano – entre filmes, seriados e todas as outras mídias.

Demorei um tempo para escrever este texto porque pensei muito no que falar. Muitas outras críticas já destacaram os diversos pontos positivos deste seriado, e não queria chover no molhado. Então abordarei alguns pontos mais específicos e capazes de fomentar mais discussão.

Para quem não assistiu, o texto contém SPOILERS de toda a trama.

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UMA APOSTA DE RISCO, MAS MUITO BEM FEITA

A primeira coisa a destacar sobre "Watchmen" da HBO é a coragem em fazê-lo – algo característico de muitas produções às quais esse canal abraça. Antes divulgaram o seriado como uma "releitura" da HQ, mas, embora houvesse pistas disso nos trailers, só no primeiro episódio entendemos ser uma continuação dos eventos da obra original.

Isso é muito arriscado por conta de o seriado, apesar de ter uma trama razoavelmente fechada, demandar conhecimento prévio da HQ para um total aproveitamento. Ou seja, o espectador comum ficará muito perdido, principalmente no começo, se não a houver lido – e conheço vários casos de pessoas que tentaram assistir sem esse repertório prévio, e abandonaram nos primeiros episódios. Nem adianta ter assistido ao filme que adapta a HQ, de 2009 (feito pelo Zack Snyder, de "300" e "Batman V Superman"), já que, embora fiel esteticamente e no esqueleto geral da trama, ele fez diversas mudanças ao final – e o seriado, situado no ano 2019 da linha do tempo alternativa da HQ (que se passava em 1985), utiliza o final da HQ como embasamento, fazendo os leigos boiarem quanto às "chuvas de lula" e o monstro gigante que matou 3 milhões de pessoas ao "teleportar" para Nova York.

Ainda assim, o que poderia se tornar uma produção de nicho capaz de contentar apenas os mais assíduos fãs da HQ (ocorrendo na verdade o contrário, como desenvolverei adiante), retornou ótimos índices de audiência e a expectativa quanto a novas temporadas – embora o criador do seriado, Damon Lindelof, tenha-o idealizado como uma temporada única ou no máximo em formato de antologia, com tramas e personagens completamente diferentes a cada temporada, tendo em comum apenas o mesmo universo. Um planejamento, aliás, muito mais seguro e primoroso quanto à qualidade, diferente de adaptações que se perdem em sua extensão e levam a finais de qualidade duvidosa (e cito como exemplo Game of Thrones, da própria HBO – decepção do ano que o canal em muito compensou com "Chernobyl" e, agora, este Watchmen).

O seriado também se destaca pelo respeito e fidelidade à HQ, ao mesmo tempo em que cria uma trama original bem construída e com personagens inéditos muito cativantes, que interagem muito bem com aqueles vindos da obra de origem. A coragem por trás da produção também se traduz em situar Tulsa, no estado de Oklahoma (EUA) como palco central, e tomar como ponto de partida o massacre racial ocorrido na cidade em 1921, quando o bairro de Greenwood, conhecido à época como "Wall Street Negra" devido à prosperidade de sua comunidade afro-americana, foi destruído por brancos – evento ocultado no passado local e nacional, só resgatado pela historiografia mais recente; e do qual eu, historiador, também só tomei ciência há pouco tempo, antes da estreia do seriado. As repercussões desse acontecimento ainda reverberam em 2019 (tanto no alternativo, quanto no nosso), sendo desenvolvidas pelo enredo da série de forma magistral, com um worldbuilding fantástico que descreve os EUA após a traumática solução à guerra nuclear orquestrada por Ozymandias em 1985, sem que a população comum ainda conheça a verdade. Lindelof dá uma aula fenomenal sobre como expandir um material prévio sem perder sua essência, criando uma obra densa, muito bem escrita e tão carregada de reflexões políticas e filosóficas – sim, assim como a HQ! – quanto a que foi idealizada por Alan Moore: e me pergunto se ele não aprovaria este seriado, caso fosse menos turrão e lhe desse uma chance após tantos traumas com adaptações de suas criações.

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