Capítulo 2 - Pavel

1.8K 258 545
                                    

Um rapaz alto e bastante magro, de barba ruiva, me encarava com simpatia e curiosidade em seus olhos cinzentos. Não sorria – porque eu ainda era uma desconhecida – mas via-se que gostaria muito de fazê-lo.

Eu sempre tive um fraco por ruivos, e demorei um instante para despregar os olhos do rosto dele e voltá-los para a placa em sua mão, que continha meu nome em caracteres cirílicos. Ele obviamente esperava uma confirmação da minha identidade, ou negação, ou qualquer reação da minha parte. Esquecendo momentaneamente o que eu sabia de russo, apenas acenei afirmativamente com a cabeça.

Da... – acrescentei, após um instante. – Eto yá.

Acenando um rápido cumprimento, ele pegou minha mala e se pôs a andar para a direção oposta à que eu tinha ido, acompanhando as pessoas que saíam da estação. Após alguns passos, percebendo que eu não o acompanhava, virou-se e me chamou com a mão, ao que eu finalmente despertei direito e o segui. Alcancei-o rapidamente; apesar das suas passadas longas, eu também andava rápido, e logo estávamos fora da estação.

Ali fora, o rapaz permaneceu um instante desnorteado. Virou-se para me perguntar alguma coisa, mas – provavelmente por causa da minha engrolada mais cedo – devia ter suas dúvidas sobre se eu falava russo, então puxou um papel do bolso interno do paletó, e o consultou. Tentei espiar o papel; não deu, mas deviam ser instruções, considerando que, em seguida, ele acenou novamente para que eu o seguisse, e paramos em uma esquina mais adiante, para apanhar um ônibus.

Kak vas zovut? – eu perguntei, enquanto esperávamos, juntando todo o meu russo para tentar entabular uma conversa.

– Solinin, Pavel Ivanovitch – ele respondeu, dando o sobrenome primeiro.

– Muito prazer, Camarada Solinin – eu respondi, assumindo uma postura solene ao apertar a mão dele, como via os homens do Partido fazendo.

– O prazer é meu.

– Se importa de me dizer para onde está me levando?

– À delegacia, para obter uma propiska para você – ele respondeu. Diante da minha cara de paisagem, ele explicou que, desde o início daquele ano, você precisava se registrar junto ao departamento de polícia local toda vez que chegava a uma cidade nova, ao se movimentar dentro da URSS. Era um sistema novo, ressurgido das cinzas dos tempos czaristas, e ainda estava em processo de instalação na maior parte do país, mas em Leningrado, Moscou, Minsk e outras cidades importantes, já era obrigatório. – Depois para o hotel, e então comer alguma coisa. Você quer comer?

Eu sorri ante aquela pergunta. Estudando a língua, sempre me parecera curioso o modo direto dos russos abordarem fome, sono, e tudo, de modo geral.

– Sim. E talvez eu precise de um cachecol – acrescentei, apalpando meu próprio pescoço exposto, cuja pele já estava toda arrepiada.

– Arranjaremos – Pavel respondeu, e deixou minha mala no chão por um instante para arrumar a gola do meu casaco, abotoando-a até em cima, o que, por algum motivo obscuro, ainda não tinha me ocorrido fazer.

Logo passou um ônibus; àquela hora da tarde, algumas pessoas já voltavam do trabalho, e o ônibus estava bem cheio. O Camarada Solinin me puxou para um canto onde não atrapalharíamos, e, enquanto seguíamos viagem, ainda tímida para puxar assunto, foquei minha atenção na rua, embora estudasse disfarçadamente meu companheiro de partido com o canto do olho.

Algumas vezes eu o pegava me estudando também, mas na maior parte do tempo, ele permaneceu absorto em seus próprios pensamentos. Aparentava ser muito jovem, talvez mais do que eu, aparência que era reforçada pela magra compleição. Trazia um broche da Juventude Comunista Internacional no peito do paletó marrom surrado e puído, e não se assemelhava em nada aos robustos trabalhadores braçais, operários e camponeses que ilustravam os cartazes motivacionais que se viam aqui e ali. Tinha mais cara de estudante, ou talvez de artista.

Dias VermelhosOnde as histórias ganham vida. Descobre agora