Capítulo 15 - O Dia da Revolução

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Eu teria dificuldade em descrever exatamente como foi que eu cheguei à Praça Vermelha no dia 7 de novembro. Tudo aconteceu muito rápido, e quando dei por mim, estava lá, debaixo de um céu cinzento e com o vento soprando-me nas faces os "hurras!" dos camaradas.

Acordamos bem mais cedo que o normal na ELI, porque foram nossos tutores que vieram nos despertar, batendo nas portas de cada dormitório antes das cinco da manhã. Em seguida, nos deixaram por conta própria e saíram na primeira comitiva para se organizar nas fileiras, já que eram em sua maioria militares, e cada um devia aparecer em uniforme de gala impecável, para se alinhar ao respectivo regimento e formar as colunas do Exército Vermelho, que iam à frente dos demais no desfile.

Depois de lavar o rosto com água gelada para despertar e me assear o melhor possível no pouco tempo que tínhamos disponível, encontrei o resto dos estudantes do Comitê de Celebrações e corremos para todo lado no restante da manhã, pegando cartazes, entregando cartazes, pré-organizando as fileiras, para que todos já soubessem a formação quando chegássemos ao ponto de partida.

Quando finalmente recebemos o aval dos professores, dirigimos a procissão dos alunos para se juntar ao fluxo de gente que chegava para o desfile, nos grupos dos respectivos coletivos, fábricas, órgãos. Em pouco mais de meia hora, éramos colocados pelos organizadores em nossas posições, onde esperamos pacientemente pela chegada do Camarada Stalin e demais líderes do partido, que comandariam o início da parada.

Os contingentes militares tomavam a Praça Vermelha, e nós da ELI, agrupados junto com o pessoal do Komintern, ficávamos quase na saída, passando a Igreja de São Basílio, mas dava para ver o centro da ação, ainda que de longe.

Bandeiras vermelhas com detalhes dourados caíam num drapeado por trás do palanque, enquanto outras enfeitavam o Mausoléu, as paredes do Kremlin, do GUM, e dos demais prédios em volta. Algumas tinham slogans, palavras de ordem, e por todo lado se viam a foice e o martelo do proletariado, refletidos nas faixas e cartazes carregados pela multidão. O falatório era intenso na parte ocupada pelos civis. Havia gente nas laterais também, que não participaria do desfile, mas tampouco perderia a oportunidade de assistir.

– Dá para acreditar que a gente vai ver o próprio Stalin, Camarada? – alguém me disse em português perto do ouvido, e eu virei para trás para sorrir para José Maria, agora Felício. Apesar de estarmos na mesma turma e setor, não tínhamos tido muitas oportunidades de conversar, graças ao currículo intenso e às atividades diferenciadas no trabalho externo e interno.

– Pois a mim parece que não paramos de vê-lo – eu cochichei de volta. – Ele está por toda parte – acrescentei, referindo-me aos retratos que podiam ser encontrados em qualquer casa e estabelecimento em que entrávamos. De fato, havia um deles agora mesmo atrás do palanque, gigantesco, junto com retratos de Lenin, Marx e Engels. – Só eu que acho isso um tantinho assustador?

José Maria ponderou um instante, com a cabeça inclinada para o lado.

– Bom, talvez seja um pouquinho de exagero – concordou. – Mas acho que ele deve ser mesmo um bom líder, se o povo se dispõe a homenageá-lo dessa forma.

Pensei na sala do apartamento de Pavel, em que aqueles retratos dividiam espaço com um ícone, nenhum deles parecendo receber grande parcela de atenção. A explicação de José Maria não batia muito com isso; os Solinin, pelo menos, mantinham aquilo tudo na parede para evitar problemas, com quaisquer tipos de autoridades – terrenas ou celestiais – ao que parecia. Mas não dava para generalizar o caso deles.

– As pessoas têm tendência a divinizar líderes – respondi, após um momento. – Se chegam a idolatrar até aquele crápula fascista e populista do Getúlio...

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