Capítulo 76 - O baluarte ribeirinho

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O amargo receio generalizado paralisou o destacamento apenas por um instante, durante o qual nenhuma tropa entrou atrás de nós, rindo e atirando, nem pulou de um alçapão no palco ou outro esconderijo secreto. Astrakhanov foi o primeiro a despertar do torpor.

— Vamos sair daqui — verbalizou, e nós, concordando, corremos de imediato para a praça.

— O que é que a gente faz agora? — a pergunta, ironicamente, veio do jovem e desnorteado comandante do grupo, e fez todos se entreolharem, cada um esperando que os outros trouxessem uma solução.

— Bom, nossa missão era prender as autoridades — recapitulei, antes de sugerir com cautela: — Digo para tentarmos fazer isso. Descobrir onde se encontram e realizar a detenção.

— Concordo — disse um colega. — Mas isso não atrapalharia o grande plano? O Sargento Quintino disse que queria saber onde cada um ia estar, para poder coordenar a ação.

— É verdade — respaldou o comandante, mordendo os lábios. — Mas — e ele ergueu os olhos para o grupo — e se a gente for só em dois ou três lugares para ter certeza? Se não estiverem lá, pelo menos já voltamos para o sargento com mais informações.

A dúvida pairou nos rostos um momento, enquanto digeríamos a ideia.

— É rapidinho — insistiu o comandante.

Cedemos. Dividimo-nos em dois grupos, um que ia para a casa do prefeito e outro para a do governador. Às casas dos cabeças da polícia e do exército, Quintino enviara emissários especiais, logo após a ocupação do quartel; os que não fossem encontrados certamente se dirigiriam ao cenário das lutas — era seu dever profissional — ou seriam pegos pelas patrulhas que guardavam as entradas da cidade. Deixamos para trás apenas dois camaradas, por sugestão de Astrakhanov, para assinalarem nossa conquista daquele posto avançado e prenderem o inimigo desavisado que por acaso retornasse ao teatro.

Meu grupo partiu, então, para a Vila Cincinato. Poupamos o fôlego para a marcha apressada, já que o edifício ficava do outro lado do bairro, e nos abstivemos de discutir de onde viriam os tiros que agora ouvíamos com maior regularidade. Passamos pela estação ferroviária, já dominada pelos operários em clima de festa, encontramos também gente nossa na Prefeitura e cruzamos com outros destacamentos, a pé ou em carros. No entanto, não paramos para trocar informações, até porque eles pareciam tão atarefados quanto nós.

Exceto a patrulha em frente à casa do governador, que decorava os degraus de entrada como se fossem estátuas fardadas. Ao contrário das residências vizinhas, que davam a impressão de partilharem a tremedeira dos moradores ocultos nelas, o palacete de Rafael Fernandes estava com as portas escancaradas e todas as luzes acesas. Era evidente que os camaradas não pretendiam lhe dar a chance de se esconder nem numa despensa, embaixo de uma cama ou dentro de um baú. Cada cantinho fora vasculhado.

E, pelo jeito, sem resultado.

— O Sargento Quintino nos mandou para cá assim que vocês saíram — contou o chefe do destacamento. — Era apenas para esperarmos, por via das dúvidas, caso o homem conseguisse escapar de vocês e voltasse para casa. Mas já que estávamos aqui, achamos que não custava fazer uma busca preventiva. Pelo jeito ele escapou mesmo, ãhn? Por isso os tiros para aqueles lados, mais cedo?

— Não, o tiroteio foi um acidente de percurso — respondeu nosso comandante. — Quando chegamos ao teatro, já estava vazio.

— Será que alguém os preveniu?

— Talvez. Ou nos ouviram a caminho.

— Nesse caso não teria dado tempo de evacuarem o prédio. Parece que tinha muita gente lá. Ainda vimos alguns vizinhos entrando em casa, quando chegamos aqui, mas a maioria já tinha se trancado. Pensamos em fazer batidas nas casas deles também, mas faltou efetivo.

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