Capítulo 61 - O Manifesto do Caos

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Quatro pareceu ainda mais desconfortável, e trocou o peso de um pé para o outro.

– Assim, lembra quando teve aquela reunião dos sindicatos? – eu acenei. – E lembra que eu e uns colegas insistimos para o Stuart se sindicalizar? Ele estava meio assim, mas a gente falou que era necessário para o trabalho de base, que seria muito difícil conseguir a confiança dos operários sem aderir ao sindicato, porque ele é inglês? – acenei novamente. – Pois é, acontece que o tiro saiu pela culatra. Ele conseguiu a confiança dos braçais, e perdeu a da chefia. Ficaram olhando torto, como assim você se misturando com essa gentalha? Você é britânico, seu contrato nem segue as mesmas leis, não tem que ficar descendo à senzala. E agora eles pegam no pé por qualquer coisa. Não sei como está se virando, de verdade, eu não gostaria de estar na pele dele.

– Você disse desde a reunião do sindicato?

– Isso mesmo.

Três semanas, um pouco mais. Três semanas pisando em ovos no trabalho, e Astrakhanov não tinha dado um pio sobre o assunto para mim. Como que ele... por que... nosso disfarce em risco, e eu nem sabia de nada. Minha fúria deve ter transparecido no rosto, porque Quatro foi logo se desculpando:

– Eu disse pra te contar, que essas coisas a gente tem que dividir com a esposa, já que a bomba pode estourar e respingar na família inteira... Mas ele é bem daquele tipo de homem que gosta de resolver tudo sozinho, não é? – acrescentou, compreensivo.

– Ô se é – rosnei.

– Falando no diabo, aparece o rabo – Quatro exclamou, olhando por sobre o meu ombro. – Olha lá quem vem virando a esquina.

Na contramão do povo que se dispersava ou seguia a passeata, Astrakhanov surgiu, caminhando para o centro da praça. Sua expressão era grave e um pouco cansada. Ele nos avistou, e o rosto assumiu o ar de pedra que sempre me impressionava, cumprimentando-nos com um aceno antes de se juntar a nós.

– Boa noite. Fiquei retido na empresa.

– Percebi – respondi, friamente. Astrakhanov lançou-me um olhar, estranhando o tom, mas não disse nada.

– Parece que o comício já acabou. Como foi, houve muitas adesões, como no Rio de Janeiro?

– Não, poucas.

– Eles saíram num desfile agora, e Praxedes nos chamou para a sede da ANL, onde vão encerrar os eventos – Quatro complementou. – Quem sabe consigam mais adeptos até o fim da noite.

– Quem sabe? Tive a impressão de que a presença dos galinhas-verdes inibiu um pouco o pessoal – eu comentei. Ele ergueu as sobrancelhas.

– Você também? Eu fiquei pensando bem isso mesmo. Eles e os polícias e os jagunços. Por um momento fiquei com medo de que saísse pancadaria. Assim, se fosse pra enfrentar, eu enfrentava – adicionou o ferroviário, ao perceber que sua frase anterior soara um pouco covarde. – Mas só ia afastar mais os novatos.

– Então quer dizer que houve risco? – Astrakhanov passou a mão sobre a boca, preocupado. – Droga, queria ter estado aqui.

– Não se importe; parece que o senhor estava enfrentando um perigo maior, não é mesmo?

– O quê?

– Então, companheiros, eu vou indo na frente, ver se ainda pego a rabeira da passeata. Você sabe onde fica a sede, não sabe, John?

Quatro tratou de escafeder-se, quando viu que ocorreria um confronto aparentemente mais perigoso que entre nós e os galinhas verdes. Nem olhou para trás para ver o aceno de Astrakhanov confirmando que conhecia a localização da sede. Franzindo as sobrancelhas para as costas do colega, Astrakhanov se voltou para mim em seguida:

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